quarta-feira, maio 31, 2006

António Franco Alexandre

16


dá-me a alegria, a sem razão nenhuma que se veja,
dou-te alegria, a sem caminhos na clareira,
a de nenhum sinal em terra nua.
dá-me a tristeza, a toda certa sem fronteiras.
dou-te tristeza, a cinza em cinza devastada,
a oiro no silêncio debruada.

por águas me verti, por rios, sementes.
de terra me vestas, a sombra do dia,
o sítio das flechas no corpo, na árvore.
no sossego das chuvas me reparto.
ficas no escuro, nos ramos nos frutos,
embrulho novelo a desajeito.

a porta quase aberta diz que me recebes,
quase fechada diz que me visitas.
assim te visite, assim te receba.
nenhuma palavra que o gesto não faça.
de águas me vista, em terra me vertas.
no corpo das flechas o sítio, nos rios.

sexta-feira, maio 26, 2006

O mesmo dream team de júris do post anterior

acordou hoje cedinho e num extraordinário tour de force conseguiu, em menos de 7 minutos e 33 segundos (7'32, exactamente) produzir a lista definitiva e actualizada dos Vinte Filmes Mais Estúpidos e Irritantes de Que Há Memória. A qual integra os seguintes:

1. O Fabuloso Destino de Amélie - ???
2. Ma nuit chez Maude - Eric Rohmer
3. Youth without youth F. F. Coppola
4. Vampiros de Marte – J. Carpenter
5. Pee-wee's big Adventure – Tim Burton
6. It’s a wonderful life - Frank Capra
7. Hapiness – T. Solondz
8. Há lodo no cais – Elia Kazan
9. Forrest Gump - Robert Zemeckis
10. Gangs de Nova Iorque – Scorsese
11. Sinais – Night Shyamalan
12. Ponette – J. Doillon
13. À beira do Mar azul – Boris Barnet
14. A matter of Life and Death – M. Powell
15. A cidade das Mulheres – F- Fellini
16. O Dia do Desespero- M. Oliveira
17. Conto de Inverno – E. Rohmer
18. Ondas de Paixão – Lars von Trier
19. A Terra –Dovjenko
20. Decálogo – Kieslowsky

quinta-feira, maio 25, 2006

Após longos minutos de intensa ponderação,

uma equipa constituída por três dos maiores (para não dizer únicos) especialistas mundiais em cinema português (Me, Myself and I) , concebeu a lista dos 10 melhores filmes nacionais de sempre, facultando-a agora, graciosamente e em rigoroso exclusivo, para ilustração de todos os nove leitores deste blogue. Aí vai:

1. Tráfico - João Botelho
2. Ossos - Pedro Costa
3. Tráfico - João Botelho
4. O Sangue - Pedro Costa
5. Recordações da Casa Amarela - João César Monteiro
6. Tráfico- João Botelho
7. Um Adeus Português - João Botelho
8 Tráfico - João Botelho
9. A Comédia de Deus - João César Monteiro
10 Tráfico - João Botelho

Na sua declaração de voto, o júri manifesta o seu desagrado pelo facto de a lista ter que se limitar a dez títulos, obrigando-os a deixar de fora obras tão incontornáveis como "Tráfico" de João Botelho e "Tráfico" de João Botelho.

quarta-feira, maio 24, 2006

Álvaro de Campos

POEMA EM LINHA RECTA



Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.

E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenha calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu que tenho sido cómico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenha agachado,
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.

Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um acto ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...

Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que, contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,

Arre estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?

Então sou só eu que é vil e erróneo nesta terra?

Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que tenho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.

DOIS POEMAS SÂNSCRITOS

Las dos vías

Para qué toda esta hueca palabreriá?
Sólo dos mundos valen la devoción de un hombre:
la juventud de una mujer de pechos generosos,
inflamada por el vino ardiente del deseo,
o la selva oscura del anacoreta.

Bhartriari

*
La Invitación oblicua

Viajero, apresura tus pasos, sigue tu camino,
los bosques están infestados de fieras,
serpientes, elefantes, tigres y jabalíes,
el sol se oculta ya y tú, tan joven, andas solo.
Yo no puedo hospedarte:
soy una muchacha y no hay nadie en casa.


Versões de Octavio Paz, in Versiones y Diversiones

Adbusters.org

terça-feira, maio 23, 2006

WISLAWA SZYMBORSKA

O TERRORISTA OBSERVA


A bomba no café vai explodir às treze e vinte.
São treze e dezasseis neste momento.
Há tempo ainda para entrar
e tempo para sair.

O terrorista já cruzou a rua.
A esta distância não corre perigo,
e que vista tem – é como no cinema:

Uma mulher de casaco amarelo acaba de entrar.
Sai um homem de óculos escuros.
Dois rapazes de calça de ganga conversam à porta.
Treze horas, dezassete minutos e quatro segundos.
O mais baixo tem sorte, senta-se na motorizada,
já o outro, entrou agora mesmo.

Treze horas dezassete minutos e quarenta segundos.
Aproxima-se uma rapariga, de fita verde no cabelo.
Mas um autocarro pára de súbito à sua frente.
Treze e dezoito.
A rapariga desapareceu.
Se foi estúpida e entrou, ou não,
sabê-lo-emos quando eles forem retirados.

Treze e dezanove.
Parece que não entra mais ninguém.
Mas há um tipo que sai, gordo, careca.
Esperem lá, ei-lo que procura qualquer coisa nos bolsos e
quando faltam dez segundos para as treze e vinte
regressa para ir buscar as suas velhas luvas .

São treze e vinte certas.
Como o tempo se alonga.
Vai ser a qualquer momento.
Ainda não.
Sim, é agora.
A bomba explode.


Versão (a partir do inglês) de José Miguel Silva

sexta-feira, maio 19, 2006

Ángel González

AYER


Ayer fue miércoles toda la mañana.
Por la tarde cambió:
se puso casi lunes,
la tristeza invadió los corazones
y hubo un claro
movimiento de pánico hacia los
tranvías
que llevan los bañistas hasta el río.

A eso de las siete cruzó el cielo
una lenta avioneta, y los niños
la miraron.
Se desató
el frío,
alguién salió a la calle con sombrero,
ayer, y todo el día
fue igual,
ya veis
qué divertido,
ayer y siempre ayer y así hasta ahora,
continuamente andando por las calles
gente desconocida,
o bien dentro de casa merendando
pan y café con leche, qué
alegria!

La noche vino pronto y se encendieron
amarillos y cálidos faroles,
y nadie pudo
impedir que al final amaneciese
el dia de hoy,
tan parecido
pero
tan diferente en luces y aroma!

Por eso mismo,
porque es como os digo,
dejadme que os hable
de ayer, una vez más
de ayer: el día
incomparable que ya nadie nunca
volverá a ver jamás sobre la tierra.

Josef Koudelka

















Village Idiot, Spain, 1972

Acendalhas # 2

“ El fin perseguido por la campaña de alfabetización no tuvo nada que ver con la Ilustración. Los filántropos y sacerdotes de la cultura que la propagaron no fueron sino lacayos de la industria capitalista, que exigía del Estado que le proporcionara una mano de obra cualificada. Jamás hubo la menor intención de alcanzar la verdadera y autentica emancipación [. . .] No se trataba de abrir camino a la “cultura escrita”, y mucho menos de sacar a la gente de su ignorancia. El progreso pretendido era otro muy distinto. Consistía en domesticar a los analfabetos […] y a quitarles de la cabeza sus fantasías y obstinaciones para poder explotar no sólo la fuerza de sus músculos y su destreza laboral, sino también sus cerebros. […]

Pues bien, esta prehistoria que acabamos de evocar ya nos ha alcanzado. Y la venganza de los parias no está exenta de una cierta ironía negra, pues, como todos ustedes sabrán, ele analfabetismo que acabamos de desenterrar a regresado bajo una forma que ya no tiene nada de honrosa; nos estamos refiriendo al analfabeto secundario, que desde hace algún tiempo está dominando la escena pública.
Este personaje se siente satisfecho: no sufre por culpa de la falta de memoria que padece, le alivia el hecho de que no disponga de voluntad propria, aprecia su incapacidad de concentración, y cree una ventaja no saber nada y no comprender qué le está ocurriendo. Es maleable, se adapta a todo, dispone de una admirable capacidad de salirse con la suya. […] A la euforia de que hace gala este analfabeto secundario contribuye que nos es consciente de ser un analfabeto secundario. Se cree bien informado, es capaz de descifrar instrucciones de manejo, pictogramas y talones, y se mueve en un entorno que le aísla herméticamente de cualquier ataque contra su consciencia. Resulta impensable que pudiera fracasar frente a su entorno, pues éste lo ha creado y moldado para garantizar su propia pervivencia.

El analfabeto secundario es el producto de una nueva fase de la industrialización. Porque una economía cuyo problema ya no reside en la producción sino en las ventas, ya no tiene necesidad de un ejército de reserva disciplinado: necesita de consumidores disciplinados. Con la desaparición del obrero industrial y del oficinista tradicionales también resulta obsoleto el entrenamiento estricto al que éstos estaban sometidos. […] Con la aparición de esta nueva situación, la tecnología de nuestros días también ha desarrollado la solución adecuada, y de todos los mass media, el ideal para el analfabeto secundario es la televisión.

[…] Por regla general ocurrirá que los analfabetos secundarios ocupen los cargos decisivos tanto en la política como en la economía. En este contexto bastará con citar como ejemplos al actual presidente de los Estados Unidos y al actual canciller de Republica Federal de Alemania. Y, como contrapartida, tanto en nuestro país como en los E. U. A resulta fácil toparnos com legiones enteras de taxistas, vendedores de periódicos, peones y parados que con sus amplios conocimientos y estándares culturales hubieran alcanzado las máximas cimas en cualquier otra sociedad.

De todo ello concluyo que la cultura de nuestro país está inmersa en una situación completamente nova. La clase dominante, integrada en su mayoría por analfabetos secundarios, ya ha perdido todo interés por ella. Lo que tiene por consecuencia que la cultura ya no puede ni está obligada a estar al servicio de ningún interés dominante. Está proscrita, lo que, bien mirado, también puede interpretarse como una forma de libertad. Una cultura así depende únicamente de sí misma, y cuanto antes se percate de ello, mejor.

Hans Magnus Enzensberger – “Loa del Analfabetismo” (1985), in Mediocridad y Delirio (Traducción de Michael Faber-Kaiser)

Acendalhas # 1

"Deves saber que, desde os meus primeiros anos de juventude, não foi precisa muita experiência para me aperceber e elucidar acerca da inutilidade da vida e da estultícia dos homens, os quais, lutando permanentemente uns com os outros para obter prazeres que não dão satisfação e bens que de nada servem, suportando-se e originando-se mutuamente cuidados e males infinitos, que atormentam e são nocivos de verdade, quanto mais procuram a felicidade mais dela se afastam. Por estes motivos [...] decidi, sem dar aborrecimentos a ninguém, sem procurar, de modo nenhum, melhorar o meu modo de vida, e sem competir com ninguém por nenhum bem do mundo, viver uma vida apagada e tranquila; e, desenganado dos prazeres como de coisa que é negada à nossa espécie, não tive nehum outra preocupação senão a de me manter afastado do sofrimento. [...] E logo que pus em prática esta resolução, soube, por experiência, como é tolo pensar, quando se vive entre os homens, que se não ofendermos ninguem conseguimos evitar que os outros nos ofendam, e que, se condescendermos sempre espontaneamente e nos contentarmos em tudo com a mínima parte, conseguimos que respeitem o nosso espaço e que essa mínima parte não nos seja negada. Mas do incómodo dos homens livrei-me facilmente, afastando-me do convívio deles e entregando-me à solidão."

Giacomo Leopardi - Pequenas Obras Morais (Tradução de Margarida Periquito)

terça-feira, maio 16, 2006

César Vallejo

UN HOMBRE PASA CON UN PAN AL HOMBRO

Un hombre pasa con un pan al hombro
¿Voy a escribir, después, sobre mi doble?

Otro se sienta, ráscase, extrae un piojo de la axila, mátalo .
¿Con qué valor hablar del psicoanálisis?

Otro ha entrado a mi pecho con un palo en la mano
¿Hablar luego de Sócrates al médico?

Un cojo pasa dando el brazo a un niño
¿Voy, después, a leer a André Bretón?

Otro tiembla de frío, tose, escupe sangre
¿Cabrá aludir jamás al Yo profundo?

Otro busca en el fango huesos, cáscaras
¿Cómo escribir, después, del infinito?

Un albañil cae de un techo, muere y ya no almuerza
¿Innovar, luego, el tropo, la metáfora?

Un comerciante roba un gramo en el peso a un cliente
¿Hablar, después, de cuarta dimensión?

Un banquero falsea su balance
¿Con qué cara llorar en el teatro?

Un paria duerme con el pie a la espalda
¿Hablar, después, a nadie de Picasso?

Alguien va en un entierro sollozando
¿Cómo luego ingresar a la Academia?

Alguien limpia un fusil en su cocina
¿Con qué valor hablar del más allá?

Alguien pasa contando con sus dedos
¿Cómo hablar del no-yo sin dar un grito?

Paul Celan

Havia terra neles, e
cavavam.

Cavavam e cavavam, assim passava
o seu dia, a sua noite. E não louvavam a Deus,
que, segundo ouviam, queria tudo isto,
que, segundo ouviam, sabia tudo isto.

Cavavam e não ouviam mais nada;
não se tornavam sábios, não inventavam nenhuma canção,
não imaginavam qualquer espécie de linguagem.
Cavavam.

Veio um silêncio, veio também uma tempestade,
vieram os mares todos.
Eu cavo, tu cavas, e o verme cava também,
e aquilo que ali canta diz: eles cavam.

Oh um, oh nenhum, oh ninguém, oh tu:
para onde íamos que não fomos para lado nenhum?
Oh tu cavas e eu cavo, cavo-me para chegar a ti,
e no dedo acorda-nos o anel.

Tradução de Y. K. Centeno

sábado, maio 13, 2006

Sobre o mesmo assunto, e para os mais distraídos

Loïc Wacquant - As Prisões da Miséria, Celta, 2000.

sexta-feira, maio 12, 2006

Philip Larkin

This Be The Verse



They fuck you up, your mum and dad.
They may not mean to, but they do.
They fill you with the faults they had
And add some extra, just for you.

But they were fucked up in their turn
By fools in old-style hats and coats,
Who half the time were soopy-stern
And half at one another's throats.

Man hands on misery to man.
It deepens like a coastal shelf.
Get out as early as you can,
And don't have any kids yourself.

terça-feira, maio 09, 2006

Ana Paula Inácio

o que tens para dizer
senão a tua presença imperfeita,
o teu rosto de areia,
atravessaste Séneca a pé?

o que dizes está gravado
sobre a mesa tens copo, tens vinho.

o que poderás dizer
que não se dissolva em pó?

Atira antes pedras
margas, basalto, xisto.

segunda-feira, maio 08, 2006

Jan Vermeer
























"Tell me lies, officer", c. 1657

sexta-feira, maio 05, 2006

Grandes Aberturas # 26

A Foz é para mim a Corguinha, o Castelo e o Monte com o rio da Vila a atravessá-lo, e a Rua da Cerca até ao Farol. O que está para lá não existe . . . Só me interessa a vila de pescadores e marítimos que cresceu naturalmente como um ser, adaptando-se pouco a pouco à vida do mar largo. E ainda essa Foz se reduz cada vez mais na minha alma a um cantinho - a meia dúzia de casas e de tipos que conheci em pequeno, e que retenho na memória com raízes cada vez mais fundas na saudade, e mais vivas à medida que me entranho na morte. O mundo que não existe é o meu verdadeiro mundo.

Raúl Brandão - Os Pescadores

Eugene Richards
















First Communion, 1976

Grandes Aberturas # 25

A Eufémia Troncha catava-o, fingia estalinhos insecticidas, fazia-lhe com a unha titilações, atritos suaves no casco da coroa , inventava para o nutrir e inflamar carícias e guisados, surpreendia-lhe o apetite com fricassés muito aromáticos, tinha meiguices e candonguices duma donzela que afaga pombinhos entre os seios virginais, decotava o corpete dos vestidos para lhe escaldar o sangue, fazia trejeitos lascivos de gata que se rebola escandecida nos telhados - uma cróia velha com muita experiência sublinhada. Ao príncipio, o abade agradecia com mocanquices, correspondia-lhe com exuberância de abraços, adormentava a sua dor abeberado das saudades de Felícia, e, às vezes, repulsando uma ideia funesta, murmurava: "Que a leve o diabo! que a leve o diabo!" e agarrava-se ao pescoço nédio de Eufémia como a uma forte prancha de nau descosida e escalavrada. E ela:
- Meu idolatrado . . .
E babujava-lhe de beijos húmidos a cara espaçosa.

Camilo Castelo Branco - A Corja (continuação de Eusébio Macário)

Grandes Aberturas # 24

Se eu quisesse, enlouquecia. Sei uma quantidade de histórias terríveis. Vi muita coisa, contaram-me casos extraordinários, eu próprio. . . Enfim, às vezes já não consigo arrumar tudo isso. Porque, sabe?, acorda-se às quatro da manhã num quarto vazio, acende-se um cigarro . . . Está a ver? A pequena luz do fósforo levanta de repente a massa das sombras, a camisa caída sobra a cadeira ganha um volume impossível, a nossa vida ... compreende? . . . a nossa vida, a vida inteira, está ali como . . . como um acontecimento excessivo . . . Tem de se arrumar muito depressa. Há felizmente o estilo. Não calcula o que seja? Vejamos: o estilo é um modo subtil de transferir a confusão e a violência da vida para o plano mental de uma unidade de significação.


Herberto Helder - Os Passos em Volta

Tadeusz Rozewicz

The Deposition of the Burden


He came to us
and said

you are not responsible
either for the world or for the end of the world
the burden is taken from your shoulders
you are like birds and children
play
and they play

they forget
that modern poetry
is a struggle for breath


In Postwar Polish Poetry, Czeslaw Milosz