quinta-feira, novembro 30, 2006

Robert Creeley

LIKE THEY SAY


Underneath the tree on some
soft grass I sat, I

watched two happy
woodpeckers be dis-

turbed by my presence. And
why not, I thought to

myself, why
not.

Paul Strand



Wall Street, 1915

Hanna Hoch
















The Beautiful Girl, 1920

Denis Diderot

"Não há bem que não te possa ser proibido, nem mal que não possa ser-te ordenado."

"Convencei-vos de uma vez por todas que é a pensar no bem deles, não no vosso, que os sábios legisladores fiseram de vós aquilo que fizeram. Tomai todas as instituições políticas, civis e religiosas; examinai-as profundamente; ou muito me engano ou em todas elas encontrareis a espécie humana sujeita de século em século ao jugo que um punhado de velhacos propunham impor-lhes."

In Suplemento à Viagem de Bougainville, Tradução de Manuel João Gomes.

domingo, novembro 26, 2006

Mário Cesariny

A UM RATO MORTO ENCONTRADO NUM PARQUE


Este findou aqui sua vasta carreira
de rato vivo e escuro ante as constelações
a sua pequena medida não humilha
senão aqueles que tudo querem imenso
e só sabem pensar em termos de homem ou árvore
pois decerto este rato destinou como soube (e até como não soube)
o milagre das patas - tão junto ao focinho!
- que afinal estavam justas, servindo muito bem
para agatanhar, fugir, segurar o alimento,
voltar atrás de repente, quando necessário
Está pois tudo certo, ó "Deus dos cemitérios pequenos"?
Mas quem sabe quem sabe quando há engano
nos escritórios do inferno? Quem poderá dizer
que não era para príncipe ou julgador de povos
o ímpeto primeiro desta criação
irrisória para o mundo - com mundo nela?
Tantas preocupações às donas de casa - e aos médicos - ele dava!
Como brincar ao bem e ao mal se estes nos faltam?
Algum rapazola entendeu sua esta vida tão ímpar
e passou nela a roda com que se amam
olhos nos olhos - vítima e carrasco

Não tinha amigos? Enganava os pais?

Ia por ali fora, minúsculo corpo divertido
e agora parado, aquoso, cheira mal.

Sem abuso
que final há-de dar-se a este poema?
Romântico? Clássico? Regionalista?

Como acabar com um corpo corajoso e humílimo
morto em pleno exercício da sua lira?

sábado, novembro 25, 2006

Tuxedomoon - Jinx

The Go-Betweens - Spring Rain

The Cure - In Between Days

Buzzcocks - I don't Mind

(Este é para ti, Manuel)

Nico - Femme Fatale

Dalis Car - "His Box"

The Band of Holy Joy - Tactless

sexta-feira, novembro 24, 2006

Tuxedomoon - Desire

TUXEDOMOON!

segunda-feira, novembro 20, 2006

BUENAVENTURA DURRUTI 14/07/1896 - 20/11/1936















































VARSOVIANA


Negras tormentas agitan los aires,
nubes oscuras nos impiden ver;
y aunque nos espere el dolor y la muerte,
contra el enemigo nos llama el deber.
El bien más preciado es la libertad,
luchemos por ella con fe y valor.
Alza la bandera revolucionaria
que llevará el pueblo a la emancipación.
En pie pueblo obrero a la batalla
hay que derrocar a la reacción.
A las barricadas, a las barricadas
por el triunfo de la Confederación.


sexta-feira, novembro 17, 2006

Clarões Avulsos # 8

Por el bosque tan sombrio,
por puestos tan mal seguros,
entre enemigos tan duros,
que descuido es este mío?

Sá de Miranda

Clarões Avulsos # 7

Os antigos consideravam a coragem [a impiedade no desmascaramento do falso] como a virtude política por excelência.
Toda a sua existência espiritual se alicerçou na decisão de nunca se acomodar e de nunca se refugiar no que quer que fosse; por outras palavras, alicerçou-se na coragem.

Hanna Arendt

Clarões Avulsos # 6

My suffering
is useful to me.

It gives me the privilege
to write on the suffering of others.

Anna Swir

Clarões Avulsos # 5

All I have for company
Are the two halves of my heart.

Kenneth Rexroth

Clarões Avulsos # 4

A política é a arte de impedir que as pessoas se metam naquilo que lhes diz respeito.

Paul Valéry

Clarões Avulsos # 3

His thoughts are rigorous as trees
Reduced by winter.

John Montague

Clarões Avulsos # 2

Son of man,
You cannot say, or guess, for you know only
A heap of broken images, where the sun beats,
And the dead tree gives no shelter, the cricket no relief,
And the dry stone no sound of water.

T. S. Eliot

Clarões Avulsos # 1

The best lack all conviction, while the worst
Are full of passionate intensity

W. B. Yeats

sábado, novembro 11, 2006

Elizabeth Bishop

ONE ART


The art of losing isn't hard to master;
so many things seem filled with the intent
to be lost that their loss is no disaster.

Lose something every day. Accept the fluster
of lost door keys, the hour badly spent.
The art of losing isn't hard to master.

Then practice losing farther, losing faster:
places, and names, and where it was you meant
to travel. None of these will bring disaster.

I lost my mother's watch. And look! my last, or
next-to-last, of three loved houses went.
The art of losing isn't hard to master.

I lost two cities, lovely ones. And, vaster,
some realms I owned, two rivers, a continent.
I miss them, but it wasn't a disaster.

Even losing you (the joking voice, a gesture
I love) I shan't have lied. It's evident
the art of losing's not too hard to master
though it may look like (Write it!) like disaster

Claude Roy

Cette façon qu'a la vie de ne pas finir ses phrases.

La pensée tourne autour de la mort mais n'y entre pas.

Il y au moins soixante-dix ans que ce coq est mort, mais je l'entend encore chanter dans la cour de la ferme d'enfance.

Il se demande si c'est sa vue qui baisse ou le monde qui se décolore.

Quand on le contredit ou le critique, il ne se demande pas si les raisons qu'on lui objecte sont bonnes mais quels sont les motifs méchantes de son interlocuteur.

Quand je découvris qu'il partageait mon opinion, j'en changeai.

Dans quel cercle de l'enfer son les indifférents?


In Les Rencontres des Jours

Beautiful People # 7
















Cap. Salgueiro Maia

Galeria de Fantasmas # 2




















Rússia, 1895















Jewish water carrier standing in street in Vilna, Russia, 1922

sexta-feira, novembro 10, 2006

Ezra Pound

OUR CONTEMPORARIES


When the Taihaitian princess
Heard that he had decided,
She rushed into the sunlight and swarmed up a cocoanut palm tree

But he returned to his island
And wrote ninety Petrarchan sonnets

Erich Fried, novamente.

RAZÕES

"Porque nada disso ajuda
Eles acabam por fazer o que querem

Porque não tenciono voltar
a queimar-me

Porque as pessoas só rirão e dirão:
Eles estavam mesmo à tua espera

E porque hei-de ser sempre eu?
Ninguém vai agradecer-mo

Porque já ninguém percebe nada
e quando muito destrói-se ainda mais

Porque talvez o mau
tenha também o seu quê de bom

Porque é uma questão de ponto de vista
e no fundo em quem havemos de acreditar?

Porque os outros
se cosem com as mesmas linhas

Porque prefiro
deixar isso aos mais entendidos

Porque nunca se sabe
que prejuízos daí podem advir

Porque não vale a pena
porque nehum deles o merece"

Eis algumas das causas da morte
a escrever sobre as nossas sepulturas

que não chegarão a ser cavadas
se forem estas as causas.


(Tradução de Teresa Balté)

quarta-feira, novembro 08, 2006

Edward S. Curtis




















Sitting Bear, Arikara Man, 1908






















Chukchansi Woman, 1924





















Woman carrying firewood, 1908

Dada is not dead

Beautiful People # 6

















Denis Diderot

Beautiful People # 5




















Isaak Babel

George Grosz




















Blauer Morgen, 1912

Here they are, at last
















The Clarke Sisters, ca. 1850


THE CLARKE SISTERS


They had problems with their father's law.
They sleep in the back of a feminist bookstore.
The Clarke Sisters
The eldest sister keeps a midnight vigil.
The youngest sister she's not spiritual.
The Clarke Sisters.
Their steel grey hair,
their lovely steel grey hair.
The Clarke Sisters.

Why don't I introduce you
I'm sure they won't mind.
But don't you dare, laugh at their collections
Handed down, handed down for love.
The middle sister gets her period blood.
The flood of love. The flood of love.
The Clarke Sisters.
Their steel grey hair,
their lovely steel grey hair.
The Clarke Sisters.

The afternoon world,
the bees have stung the softball girls.
The midnight world,
the crystal ball down the wooden hall.
The treehouse stands,
their early childhood, were treehouse plans.
And right above,
The Clarke Sisters, handed down to love.
Handed down to love. Handed down to love.

The Go-Betweens

segunda-feira, novembro 06, 2006

Já o do salário máximo, em compensação, upa-upa!

"Poder de compra do salário mínimo é inferior ao de 2001"
Público, 6 de Novembro 06

domingo, novembro 05, 2006

Memento Mori




















Unidentified woman, ca. 1844-60




















Unidentified boys, ca. 1850-60





















Unidentified Woman, ca. 1844-60
Depois de ler "Praças e Quintais", de Rui Pires Cabral



Bom é gostar daquilo que os amigos escrevem
e não ter que mentir na volta do correio.
Não há felicidade mais em conta nos tempos
que correm. Somos gratos a quem nos elucida
sobre a queda do cabelo ou a fraqueza da razão,
a quem nos lembra que ainda temos tempo
de morrer acompanhados. E, só por esta vez,
esquecemos todo o nojo que sentimos
de nós próprios, escolhemos a camisa mais
lavada, escovamos o sorriso, e recebe-nos a rua
– quem diria! – com um beijo em cada face.

Galeria de Fantasmas # 1














Manuel Robello, 11 yrs old (1911)















Edgar Kitchen, 13 yrs old, (1916)






Jewell Walker, 6 yrs old (1916)

Fotografias de Lewis Hine

À ATENÇÃO DOS DEMOCRATAS

"Números oficiais da Comissão Eleitoral Federal (FEC, na sigla original), actualizados até 30 de Setembro, indicam que os candidatos ao Congresso recolheram 1180 milhões de dólares, um acréscimo de 15 por cento face ao orçamento disponível na última votação de 2004. " [...] "Nas eleições de 2004, nenhum dos candidatos que fez uma campanha inferior a um milhão de dólares conseguiu ser eleito. Ainda segundo o Center for Responsive Politics, o custo médio de uma campanha vitoriosa para o Senado foi, nesse ano, de sete milhões de dólares."
Público, 2 Nov. 06

Um tipo de democracia onde, na prática, só consegue ser eleito quem disponha, no mínimo, de 1 milhão de dólares não é uma democracia, é uma plutocracia ou uma oligarquia. Daí que nos Estados Unidos as eleições não signifiquem nada para a gente comum; enquanto que para o verdadeiro poder (o económico) são um mero pro forma. A verdadeira eleição faz-se antes do escrutínio popular, quando o capital selecciona, através do financiamento dos partidos e das campanhas, quais os candidatos que se apresentarão a concurso . E obviamente, nenhuma empresa vai financiar candidatos que não sejam corporation friendly. Para a grande massa dos eleitores a única escolha possível é entre o mesmo e o mesmo, ou quando muito, nos algo mais democráticos sistemas políticos europeus, entre o mau e o pior. Fácil é perceber que, num regime que só formalmente é democrático e pluripartidário (mas que de facto é plutocarático e unipartidário), todo o processo legislativo e governativo não passa de um jogo viciado e a democracia se torna uma farsa. Quando ao eleitorado, resta somente escolher entre o milionário A e o milionário B, não admira que 60% dos americanos não se dê ao trabalho de participar no pagode. E quem os poderá censurar?

A este respeito, leia-se o artigo de Stein Ringen no TLS desta semana, a propósito de On Political Equality de Robert Dahl. Alguns excertos:
"parties and campaigns become dependent on large donations from rich individuals or institutions. This disqualifies anyone from entering politics who is unable to obtain the blessing of economic power. Elected politicans answer more to money and less to voters. [...] In countries like USA and UK, it is not too extreme to say that this is already making nonsense of the idea of fair democratic competition."
"Time and size dictate that democracy's commitmente to being representative in practice limits the role of most citizens to that of occasionally casting a vote. In big political systems, there is a vast space between the little citizens and the big decision-makers. If this space is empty we have what political scientists have called "the distant democracy", in wich decision-making is removed from effective citizenship control."[...] "Democracy can coexist with many forms of economic and social inequality, but it cannot coexist with the combination of excessive wealth in the hands of a tiny minority and the freedom for that minority to use its economic power politically. If minority money decides who can run for office, and voters only decide who gets in among those anointed, there is little left to electoral democracy."

SOLUÇÕES PROPOSTAS POR DAHL

"On political funding, some limitations on private donations to parties and campaigns will not root out the erosive power of money in democratic politics. It is too late. For a long time, the price of, for example, Presidential campaigns in the US has roughly doubled for every election, and has long since become obscene and deeply undemocratic. In Britain, the government has resorted effectively to selling peerages to bring in the money. It is time to put a full stop to all private donations to political parties and campaigns – from individuals, from businesses, from unions, even from candidates’ own pockets – and make political parties economically dependent on members. Democracy does not need mega-expensive politics. It would improve democracy if political budgets were cut, and members given power in parties. There are no compelling reasons why the rich should be allowed to use their wealth to destroy the protection ordinary people have in the form of equality voting.

On social reform, democracy should obviously protect citizens against poverty, but again this is not enough. Measures to protect the poor do nothing to stop the concentration of economic power. When inequality becomes a democratic problem, we must also call for tax reform and economic democracy.
One reason the rich are growing richer is that they do not pay their fair share of the tax burden. In Britain, income from wealth is taxed leniently, and most taxation is on work and consumption. In the US, the current administration has handed out vast tax benefits to the super-rich. Government is increasingly paid for by the same middle class that is increasingly deprived of influence on public policy. [...]
One of the traditional qualities of American democracy has been in “nearness”. The space between people and power has been filled by a fabric of associations and voluntarism. This has been a source of life quality and social vitality and has at the same time represented the people’s buffer against the coercive tendencies in big government and big business.
In a culture in which togetherness was the norm, increasingly, in Robert Putnam’s phrase, people are “bowling alone”. In an optimistic scenario, Dahl thinks that the associational culture could be revitalized. He believes that might happen because once people reach a reasonable level of affluence, further additional affluence does not add noticeably to happiness and quality of life. We may then hope that people turn away from the materialistic rat race and devote more time and energy to social cooperation.
This is not a vain hope. In Scandinavia, for example, major social trends in the last generation have included a surprising triple combination: more people participating in work, in particular more women; shorter working hours and more leisure time for workers on average, and increasing participation in social and cultural life. In America, a work culture of long hours is pulling people away from social and cultural participation.
The reason that combination has been possible in Scandinavia is that people can afford to work less. Economic growth is distributed broadly enough for most people to benefit sufficiently for them not to have to run harder to stay where they are.
In America [...] middle-class workers have seen no or very little improvement in real hourly earnings. Therefore, while the rich grow richer by the day, and define social expectations, workers must work more, in order to have a share in the new prosperity they see around them. The results are two-earner families, longer working days, less free time and less participation in social life. It is not that Americans are workaholics: no more there than anywhere else do people want to work more and live less. It is economic conditions that tie them to the treadmill. Dahl is probably right that there is not much happiness at the end of this race; but it is not happiness people are running after, it is fairness. To liberate working women and men from futility, deep economic reforms are needed to spread more evenly the benefits of economic growth: in wages, in working life and worker protection, in taxation. It is not easy to see where such reforms should come from in the American system, or in Britain, but the case needs to be made."

Bom, leiam o resto aqui, se quiserem.

sábado, novembro 04, 2006

Ou Cesário Verde

CONTRARIEDAES

Eu hoje estou cruel, frenético, exigente;
Nem posso tolerar os livros mais bizarros.
Incrível! Já fumei três maços de cigarros
Consecutivamente.

Dói-me a cabeça. Abafo uns desesperos mudos:
Tanta depravação nos usos, nos costumes!
Amo, insensatamente, os ácidos, os gumes
E os ângulos agudos.

Sentei-me à secretária. Ali defronte mora
Uma infeliz, sem peito, os dois pulmões doentes;
Sofre de faltas de ar, morreram-lhe os parentes
E engoma para fora.

Pobre esqueleto branco entre as nevadas roupas!
Tão lívida! O doutor deixou-a. Mortifica.
Lidando sempre! E deve conta à botica!
Mal ganha para sopas...

O obstáculo estimula, torna-nos perversos;
Agora sinto-me eu cheio de raivas frias,
Por causa dum jornal me rejeitar, há dias,
Um folhetim de versos.

Que mau humor! Rasguei uma epopeia morta
No fundo da gaveta. O que produz o estudo?
Mais uma redacção, das que elogiam tudo,
Me tem fechado a porta.

A crítica segundo o método de Taine
Ignoram-na. Juntei numa fogueira imensa
Muitíssimos papéis inéditos. A Imprensa
Vale um desdém solene.

Com raras excepções, merece-me o epigrama.
Deu meia-noite; e a paz pela calçada abaixo,
Um sol-e-dó. Chovisca. O populacho
Diverte-se na lama.

Eu nunca dediquei poemas às fortunas,
Mas sim, por deferência, a amigos ou a artistas.
Independente! Só por isso os jornalistas
Me negam as colunas.

Receiam que o assinante ingénuo os abandone,
Se forem publicar tais coisas, tais autores. Arte?
Não lhes convém, visto que os seus leitores
Deliram por Zaccone.

Um prosador qualquer desfruta fama honrosa,
Obtém dinheiro, arranja a sua "coterie";
E a mim, não há questão que mais me contrarie
Do que escrever em prosa.

A adulaçãao repugna aos sentimento finos;
Eu raramente falo aos nossos literatos,
E apuro-me em lançar originais e exactos,
Os meus alexandrinos...

E a tísica? Fechada, e com o ferro aceso!
Ignora que a asfixia a combustão das brasas,
Não foge do estendal que lhe humedece as casas,
E fina-se ao desprezo!

Mantém-se a chá e pão! Antes entrar na cova.
Esvai-se; e todavia, à tarde, fracamente,
Oiço-a cantarolar uma canção plangente
Duma opereta nova!

Perfeitamente. Vou findar sem azedume.
Quem sabe se depois, eu rico e noutros climas,
Conseguirei reler essas antigas rimas,
Impressas em volume?

Nas letras eu conheço um campo de manobras;
Emprega-se a "réclame", a intriga, o anúncio, a "blague",
E esta poesia pede um editor que pague
Todas as minhas obras...

E estou melhor; passou-me a cólera.
E a vizinha? A pobre engomadeira ir-se-á deitar sem ceia?
Vejo-lhe a luz no quarto. Inda trabalha. É feia...
Que mundo! Coitadinha!

Nem tudo é privatizável ou passível de ser vendido aos espanhóis. Por exemplo, Pessanha.

BRANCO E VERMELHO


A dor, forte e imprevista,
Ferindo-me, imprevista,
De branca e de imprevista
Foi um deslumbramento,
Que me endoidou a vista,
Fez-me perder a vista,
Fez-me fugir a vista,
Num doce esvaimento.

Como um deserto imenso,
Branco deserto imenso,
Resplandecente e imenso,
Fez-se em redor de mim.
Todo o meu ser, suspenso,
Não sinto já, não penso,
Pairo na luz, suspenso...
Que delícia sem fim!

Na inundação da luz
Banhando os céus a flux,
No êxtase da luz,
Vejo passar, desfila
(Seus pobres corpos nus
Que a distância reduz,
Amesquinha e reduz
No fundo da pupila).

Na areia imensa e plana
Ao longe a caravana
Sem fim, a caravana
Na linha do horizonte
Da enorme dor humana,
Da insigne dor humana...
A inútil dor humana!
Marcha curvada a fronte.

Até o chão, curvados,
Exaustos e curvados,
Vão um a um, curvados,
Os seus magros perfis;
Escravos condenados,
No poente recortados,
Em negro recortados,
Magros, mesquinhos, vis.

A cada golpe tremem
Os que de medo tremem,
E as pálpebras me tremem
Quando o açoite vibra.
Estala! e apenas gemem,
Palidamente gemem,
A cada golpe gemem,
Que os desequilibra.

Sob o açoite caem,
A cada golpe caem,
Erguem-se logo. Caem,
Soergue-os o terror...
Até que enfim desmaiem,
Por uma vez desmaiem!
Ei-los que enfim se esvaem,
Vencida, enfim, a dor...

E ali fiquem serenos,
De costas e serenos.
Beije-os a luz, serenos,
Nas amplas frontes calmas.
Ó céus claros e amenos,
Doces jardins amenos,
Onde se sofre menos,
Onde dormem as almas!

A dor, deserto imenso,
Branco deserto imenso,
Resplandecente e imenso,
Foi um deslumbramento.
Todo o meu ser suspenso,
Não sinto já, não penso,
Pairo na luz, suspenso
Num doce esvaimento.

Ó morte, vem depressa,
Acorda, vem depressa,
Acode-me depressa,
Vem-me enxugar o suor,
Que o estertor começa.
É cumprir a promessa.
Já o sonho começa...
Tudo vermelho em flor...

Akira Kurosawa














Takashi Shimura em Viver, 1952

F. W. Murnau















Emil Jannings em O Último Homem, 1924

sexta-feira, novembro 03, 2006

Gosto de ti quando estás só # 5














Richard Bram

Beautiful People # 4




















Guy Debord