ZBIGNIEW HERBERT
O MONSTRO DO SR. COGITO
Felizardo S. Jorge
da sua sela de cavaleiro
podia calcular com rigor
a força e os movimentos do dragão
o primeiro preceito da estratégia
é a correcta avaliação do inimigo
o Sr. Cogito encontra-se
em posição menos favorável
sentado como está na sela
baixa de um vale
coberto por espesso nevoeiro
é lhe impossível divisar
os ferozes olhos
as garras vorazes
as fauces
através do nevoeiro
o que vemos é somente
a cintilação do nada
o monstro do Sr. Cogito
não tem dimensões
é difícil descrevê-lo
escapa à definição
é uma espécie de imensa depressão
que se estende sobre a terra
não se deixa trespassar
por uma pena
uma lança
um argumento
se não fosse pelo peso sufocante
e pela morte que produz
poderíamos pensar
que se trata de uma alucinação
na cabeça de um doente
mas existe
existe de certeza
enche como fumo
casas templos mercados
envenena os poços
destrói as estruturas do pensamento
cobre de bolor o pão
a prova da existência do monstro
são as suas vítimas
é uma prova indirecta
mas suficiente
2
as pessoas razoáveis dizem
que é possível conviver
com o monstro
basta que evitemos
movimentos súbitos
súbitos discursos
em caso de perigo
assumir a forma
de uma pedra de uma folha
dar ouvidos à prudente Natureza
que aconselha o mimetismo
suster a respiração
fingir não estar aqui
ao Sr. Cogito porém
não lhe agrada dissimular
gostaria de defrontar
o monstro
em terra firme
sai então de madrugada
em direcção aos subúrbios adormecidos
cautelosamente armado
com um longo objecto pontiagudo
chama pelo monstro
nas ruas desertas
desafia o monstro
insulta o monstro
como intrépido soldado
de um exército que não existe
grita
aparece miserável cobarde
através do nevoeiro
tudo o que vemos
é a goela gigantesca do nada
o Sr. Cogito quer enfrentar
esse combate desigual
e que tivesse lugar
o mais depressa possível
antes que aconteça
sucumbirmos por inércia
a uma morte banal sem glória
sufocados pelo informe
Versão (a partir do inglês) de José Miguel Silva
Felizardo S. Jorge
da sua sela de cavaleiro
podia calcular com rigor
a força e os movimentos do dragão
o primeiro preceito da estratégia
é a correcta avaliação do inimigo
o Sr. Cogito encontra-se
em posição menos favorável
sentado como está na sela
baixa de um vale
coberto por espesso nevoeiro
é lhe impossível divisar
os ferozes olhos
as garras vorazes
as fauces
através do nevoeiro
o que vemos é somente
a cintilação do nada
o monstro do Sr. Cogito
não tem dimensões
é difícil descrevê-lo
escapa à definição
é uma espécie de imensa depressão
que se estende sobre a terra
não se deixa trespassar
por uma pena
uma lança
um argumento
se não fosse pelo peso sufocante
e pela morte que produz
poderíamos pensar
que se trata de uma alucinação
na cabeça de um doente
mas existe
existe de certeza
enche como fumo
casas templos mercados
envenena os poços
destrói as estruturas do pensamento
cobre de bolor o pão
a prova da existência do monstro
são as suas vítimas
é uma prova indirecta
mas suficiente
2
as pessoas razoáveis dizem
que é possível conviver
com o monstro
basta que evitemos
movimentos súbitos
súbitos discursos
em caso de perigo
assumir a forma
de uma pedra de uma folha
dar ouvidos à prudente Natureza
que aconselha o mimetismo
suster a respiração
fingir não estar aqui
ao Sr. Cogito porém
não lhe agrada dissimular
gostaria de defrontar
o monstro
em terra firme
sai então de madrugada
em direcção aos subúrbios adormecidos
cautelosamente armado
com um longo objecto pontiagudo
chama pelo monstro
nas ruas desertas
desafia o monstro
insulta o monstro
como intrépido soldado
de um exército que não existe
grita
aparece miserável cobarde
através do nevoeiro
tudo o que vemos
é a goela gigantesca do nada
o Sr. Cogito quer enfrentar
esse combate desigual
e que tivesse lugar
o mais depressa possível
antes que aconteça
sucumbirmos por inércia
a uma morte banal sem glória
sufocados pelo informe
Versão (a partir do inglês) de José Miguel Silva
1 Comments:
Pois é, Henrique, decidi estabelecer-me por conta própria, abrir também um boteco. Afinal, não se paga renda, e quem sabe se o negócio não corre bem e não poderei, daqui a uns meses, trespassar a locanda com um lucro de mil porcento?
JMS
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