domingo, março 05, 2006

Fernando Assis Pacheco

A MISSÃO DOS SETENTA E DOIS

(1)
E depois disto designou o comandante
ainda outros setenta e dois e mandou-os
em fila adiante de si
por todos os matos e morros
aonde ele devera ter ido.
E dizia-lhes: grande é na verdade
a guerra, poucos os homens.
Rogai pois ao deus da guerra
que mande homens
para a sua (dele deus) guerra.
Ide, e olhai, que eu vos mando
como lobos entre cordeiros.

Levai bornal, cantil, calçado
de lona e a ninguém saudeis
senão com fogo pelo caminho.
Na cabana aonde entrardes
dizei primeiro do que tudo:
guerra seja nesta casa;
e se ali houver algum
filho da guerra descerá
sobre ele a vossa guerra;
porque senão a guerra, a guerra, a guerra
vos enganará.

(2)

Voltaram mais tarde os setenta e dois
muito alegres
dizendo: senhor, até mesmo
os demónios se nos submetem
em virtude do teu nome.
E o comandante lhes volveu:
eu via cair do céu
a Satanás, como um relâmpago.
Dei-vos então o poder
de pisardes serpentes, e escorpiões,
e toda a força do inimigo;
e nada vos fará dano.

(3)

Digo-vos que naquele dia
haverá menos rigor para Sodoma
do que para tal povo.
E tu, Quinguengue, que te elevaste
até ao alto da mata
- serás submergida até ao inferno.
Pois eu vos afirmo que foram
muitos os profetas e reis
que desejaram ver o que vós vedes,
e não o viram;
e que desejaram ouvir o que vós ouvis
e não o ouviram.
Os PV-2 acertam sempre.

4 Comments:

Blogger JMS said...

Dos dez, não! Dos cinco! E uma das suas grandes virtudes é precisamente o facto de ele não se levar demasiado a sério. Claro que essa sua atitude de semi-indiferença tem os seus custos em termos de reconhecimento público, pois geralmente só se dá valor a quem aprendeu a arte de se pôr em bicos de pés. Em todo o caso, a poesia de FAP está cada vez melhor, ao contrário da de muitos, que definha tristemente à medida que o tempo passa.


JMS

segunda-feira, março 06, 2006 11:12:00 da tarde  
Blogger hmbf said...

E Pessoa? (1)
E O'Neill? (2)
E Jorge de Sena? (3)
E Cesariny? (4)
E Ruy Belo? (5)
E Luiza Neto Jorge? (6)
E Herberto? (7)
E Adília? (8)
E Carlos de Oliveira? (9)

(...)

terça-feira, março 07, 2006 5:51:00 da tarde  
Blogger JMS said...

Os meus cinco poetas do século XX português, se quer saber, são:
Pessoa, Sena, F. A. Pacheco, Joaquim Manuel Magalhães e... agora é que começam os problemas - quem será o 5º? Herberto? Ruy Belo? J.M.F. Jorge? Não consigo decidir.
Cesariny, L.N.Jorge, C. Oliveira, digamos que têm coisas bastante boas a par de outras bastante fraquinhas. Prefiro-lhes, mas de longe, Nemésio, AM Pires Cabral ou A. Osório.
Quanto ao O'neill e à Adília Lopes, tenho-os mais na conta de humoristas do que de poetas. E nessa qualidade ficam, acho, a milhas de Chaplin ou dos Monty Pyhton.

terça-feira, março 07, 2006 11:49:00 da tarde  
Blogger JMS said...

Bom, estou a ver, Henrique, que não podíamos estar mais em desacordo relativamente ao valor de O'Neill. Se lhe chamei humorista, foi para ser simpático, pois na verdade acho a escrita dele demasiado displicente, e a personalidade dele demasiado auto-complacente, para o meu gosto. Sinceramente, nem sequer acho grande piada as seus joguinhos verbais surrealistas; é um poeta lúdico (adjectivo que, para mim, é tudo menos um elogio), parece-me muita oco e pueril. Como vê, discordamos em absoluto neste aspecto.
Com isto, não quero dizer que não aprecie o humor em poesia; aprecio-o imenso, como deve calcular, e esse é até um dos motivos por que tanto gosto do Assis Pacheco; mas o A. Pacheco não é auto-complacente, não perde a cabeça em trocadilhos de publicitário; e o seu humor, quando não é finamente sarcástico, é um humor que se volta contra o próprio. E isso faz toda a diferença, acho.
"Sophia, Ramos Rosa, Franco Alexandre, J. Agostinho Baptista… " são preferências suas, Henrique, e não tem mal nenhum; só que esses nomes não coincidem com aqueles que eu valorizo; é só isso. Do F. Alexandre gosto muito dos três primeiros livros e de mais nada. O Ramos Rosa é uma seca, para falar curto e grosso; a Sophia tem coisas, mas é muita luz para a minha escuridão; e do Agostinho Baptista nem vale a pena dizer nada.

Ó Rui Lage! O j.S Braga ex-aequo com o Herberto!! Homem, você deve andar a fumar coisas estranhas! Que raio de comparação, acho que até o JS Braga a consideraria escandalosa, se soubesse.
Mas claro que você tem todo o direito de preferir quem lhe apetecer, e quem sou eu para constestar os seus gostos? Se calhar, a minha inclusão de Assis Pacheco no top five não é para si menos escandalosa, do que essa sua fantástica afirmação é para mim.
Numa coisa, porém, você tem toda a razão: estas listas só interessam, quando muito, ao próprio. Aí, entre muitas outras coisas, podem servir para testarmos instantâneamente o grau de afinidade literária existente entre nós e um desconhecido; embora todos saibamos que a coincidência em matéria de gostos não tem grande significado em termos de relações humanas; assim, e para concluir, ainda bem que não gostamos todos das mesmas coisas.

quarta-feira, março 08, 2006 10:37:00 da tarde  

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