sexta-feira, outubro 27, 2006

Michel Onfray sobre o trabalho e a liberdade liberal

"Mais uma vez, recordemo-nos da etimologia que faz derivar a trabalho do tripalium, esse instrumento de tortura, que por si só, diz quanto baste sobre aquilo que se deveria pensar acerca de qualquer actividade laboral assalariada, caso não estivéssemos submetidos, de pés e mãos atadas, às epistemes que derivam do ódio pelo corpo e que rejubilam com todas as actividades que permitem a castração, a contenção, a retenção, a suspeita em relação à carne, aos desejos e aos prazeres. A religião do trabalho fez do desempregado um mártir, e o fervor que ela exige e os sacrifícios que quer transformaram os que procuram emprego em pecadores e penitentes que podem obter [...] a salvação na medida em que terão merecido e obtido uma redenção à custa da impassibilidade e da submissão às necessidades [...] de um mercado que faz reinar o seu terror pela penúria organizada do trabalho, em vez de proceder a uma partilha, tanto mais que uma outra distribuição diminuiria as penas colectivas dos que sofrem de trabalho a amais dos que penam por não tê-lo.
Utopia, dirão alguns, cujos antepassados vociferavam as mesmas invectivas há dois séculos, enqanto outros falavam de suprimir o colonialismo, a serventia, a escravatura ou o trabalho infantil. Com os seus gritos de águias-marinhas que profetizavam o fim da economia, a regressão secular, a catástrofe monetária, o desmoronamento dos mercados, eles nunca deixaram de ser desmentidos pelos factos históricos, mas nem por isso deixam de persistir no catastrofismo, logo que se farta de justificar o estado de coisas e de legitimar o mundo tal como ele está."

[...]

"Os auxiliares do sistema que vendem a ideologia liberal pretendem que ela é a única disponível no mercado intelectual. A liberdade [tal como eles a defendem é a] liberdade para consumir, possuir, dispor de bens materiais, móveis e imóveis; liberdade de se encaixar no modelo do consumidor, gabado pelos sistemas publicitários e promocionais; liberdade para comprar uma conduta, valores, uma maneira de aparecer perante os outros, tudo proposto, chaves na mão, pela ideologia dominante. [...] A liberdade reduz-se à possibilidade de se increver numa lógica mimética, de participar na corrida na qual todos procuram alcançar os graus superiores da escala social, proposta na forma de modelo único pelo mundo mercantil Liberdade de ter, liberdade liberal, contra a liberdade de ser, liberdade libertária."

In A Política do Rebelde, Tradução de Carlos Oliveira

2 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Muito cá de casa.

sexta-feira, outubro 27, 2006 12:32:00 da tarde  
Blogger JMS said...

De todas as casas de bem, n'est ce pas? E de vez em quando é bom regressar ao radicalismo absoluto de uma voz como esta, nem que seja para limpar a vista e os ouvidos.

sexta-feira, outubro 27, 2006 1:21:00 da tarde  

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