segunda-feira, outubro 30, 2006

De onde menos haveria a esperar - uma luz de sensatez.

"Alunos manifestam-se em Vila do Conde contra aulas de substituição"
Público, 30.10.2006

Haverá, em toda a história da pedagogia nacional (se é que isso existe) medida mais cretina e demagógica do que a de roubar às crianças uma das poucas alegrias que as escola lhes proporcionava, o venturoso "- Feriadooooo!!" que atroava pelos corrredores das escolas sempre que um professor faltava?
Pior do que essa, só talvez a estúpida ideia das aulas de 90 minutos.

Antigamente (ou pelo menos: idealmente) a escola era concebida em função dos alunos; mais tarde passou a ser concebida em função dos interesses dos professores, actualmente é concebida em função da disponibilidade dos pais. Hoje as crianças têm aulas das 8 às 18, ou pouco menos, para que os pais possam entregar-se de alma e coração aos seus empregos mortificantes e às suas trips de monóxido de carbono nas horas de ponta, sem terem que se preocupar com a sua canalha.
Brutalizadas por ministérios infectados de hipocrisia e cretinismo, por pais egoístas e paranóicos com a segurança, por professores frustrados ou incompetentes - que pena me fazem as crianças de hoje em dia, aprisionadas de corpo e alma pelo seu estatuto de não-pessoas, de incómodos objectos sem vida nem direitos, que é necessário "arrumar" seja como for nesses sórdidos albergues tutoriais a que chamam escolas, sob o pretexto de uma mentira a que chamam "educação", pobres, pobres crianças.

10 Comments:

Anonymous Anónimo said...

As aulas de substituição são uma medida positiva, em tese.
A sua implementação é que deixa a desejar. Vejamos porquê.
É consabido que uma das profissões que regista maior absentismo é a de professor. Não me interessa fazer uma digressão sobre este tema, que poderemos vir a versar em próximas oportunidades.
É legítimo que os alunos tenham direito à educação. É até um preceito constitucional.
Assim sendo, é também legítimo que os alunos tenham aulas de substituição. Isto porque no mundo real, fora da escola, também não há "feriados" de uma hora. Na vida não há "feriados".
A taxa de absentismo média dos professores ronda os 10% do tempo de trabalho. Em cada mês dois dias são marcados por absentismo. Ou seja, o professor prima pela ausência. O que em alguns casos até seria bom.
Significa isto que, em média, em dez meses lectivos, um deles é preenchido com os "feriados". Um mês "feriado", portanto.
Sabendo disto as aulas de substituição poderiam ser utilizadas no desenvolvimento de um projecto educativo especial para cada turma. No início do ano lectivo poderia desenhar-seu m projecto específico para cada turma, com carácter de transversalidade e aplicação multidisciplinar, a ser desenvolvido nas aulas de substituição. Qualquer professor poderia vir a substituir um colega tendo apenas que administrar esse projecto que constaria de processo individualizado e que poderia ser facilmente acompanhado por qualquer docente. Montar uma peça de teatro, por exemplo, poderia ser esse projecto. Ou outra coisa qualquer, haja imaginação. Algo que não se enquadrasse numa disciplina única mas que fosse transversal. Aquilo que está na moda chamar-se um "tema da vida".
A ser assim qualquer professor "substituto" poderia vir a assumir o papel de "animador" desse espaço, funcionando assim as aulas de substituição como algo positivo para a formação social, cívica e moral dos alunos e não como fábrica de chouriços para entreter os alunos durante um período lectivo.
Claro que isto dá trabalho. É necessário desenhar esse projecto para cada turma individualmente. Mas é possível.
Não penso que a escola seja o local indicado para fomentar o direito ao ócio, o direito ao feriado. Esse direito deve ser fomentado fora da escola e não dentro. Ali deve ser fomentado o direito ao trabalho. Deve ser ensinado que os objectivos se atingem com esforço, dedicação e TRABALHO. Que as coisas não acontecem porque se pede ao menino Jesus, ou porque se ganha o Euromilhões ou porque o Estado atribui subs..., quer dizer, dá apoios aos parasitas, quer dizer, aos artistas, é isso, aos artistas.

(Até já consigo ouvir os epítetos que me lançam deste lado. Haja respeito, por favor).

Só alterando a mentalidade ociosa do "direito ao feriado" que se instalou em Portugal praticamente desde a inauguração do estabelecimento, é que poderemos passar da indigência mental em que nos encontramos para uma situação de "remediados" mentais. O que já não era nada mau.

terça-feira, outubro 31, 2006 6:32:00 da tarde  
Blogger JMS said...

Meu caro, isso tudo seria muito bonito, e justo, e necessário, se os alunos não estivessem já ultra-sobrecarregados de aulas. A realidade, infelizmente, é que hoje em dia os miúdos passam na escola muito mais tempo do que nós alguma vez receámos passar. Se já não te recordas, eu avivo-te a memória: no 9º Ano, por exemplo, tínhamos aulas todas as manhãs e, no mínimo, duas tardes inteiramente livres por semana.Das restantes tardes, só talvez uma é que era inteiramente preenchida (até às 18,30), nas restantes aí pelas 16h30 já estávamos cá fora a jogar futebol ou a mirar as colegas. No 10º ano o panorama era ainda mais animador: duas tardes de aulas, das 14h30 às 16h30. E se nós até conseguimos sair da escola a saber qualquer coisita, ninguém me convence que a detenção das crianças durante 7 ou 8 por dia na escola tem que ver com necessidades de natureza educativa ou pedagógica. Isso é pura tanga, como certamente concordarás. Acontece apenas que o ministério da educação decidiu atribuir-se (a pedido de inúmeras e eleitorais famílias) também a função de baby-sitting e OTL.
OK, até concedo que as ruas talvez estejam mais perigosas hoje em dia, que os pais tenham medo que os filhos se metam na droga ou no PS, e que talvez isso torne inevitável o encarceramento dos meninos 8 horas por dia. Mas por que é que hão-de ser 8 horas de palha teórica, repetida até á náusea, como se educar fosse o mesmo que enfardar burros ou engordar frangos num aviário? Por que é que os miúdos não são deixados em liberdade no recreio, ao menos isso, para socializarem um pouco? Que estupidez é essa de os querer enchouriçar de conteúdos e mais conteúdos? Essa orgia de aulas é, de resto, verdadeiramente contraproducente, pois toda a gente sabe que ao fim de 5 ou 6 horas de aulas, um aluno de 12 ou 15 anos já nem sequer ouve nada do que o profe tá práli a debitar, quer é sair dali para fora. A minha proposta era: 5 horas de aulas por dia, máximo. as restantes, recreio ou então actividades lúdicas: clubes de teatro, de informática, de futebol, de namoro, etc.
Mas ideias tão banalmemte sensatas nunca entrarão no bestunto dos nossos ministros da educação. E sabes por quê? Porque a última coisa que preocupa um ministro da educação em Portugal é a educação dos alunos; a sua única preocupação e actividade é fingirem-se activos e preocupados. Quando não estão a fingir isso, estão a proferir diante das câmaras palermices dignas de um atrasado mental, que é a outra coisa que eles sabem fazer bem. A educação em Portugal é como a lei em Portugal, a justiça em Portugal ou a política em Portugal: um mero jogo de faz-de-conta, para inglês ver (nos boletins estatísticos), e siga o baile.
No meio desse trágico faz-de- conta, quem se fode são os alunos, claro, e (nestes últimos tempos), também os professores, que esta cómica ministra decidiu converter nos bodes expiatórios de uma crise cujas causas são muito mais extensas e profundas do que se quer fazer crer.

terça-feira, outubro 31, 2006 7:12:00 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Não estás muito longe do que eu disse.
E as tuas proposta não se afastam muito do que já existe actualmente.

Então vê lá isto: a rapaziada do 2.º ciclo (é o que eu domino melhor agora) tem 33 períodos lectivos de 45 minutos, por semana, o que corresponde a 24 horas e 45 minutos. Arredonda para cima e tens 25 horas. Divides por cinco dias e tens cinco horas diárias. Está dentro dos teus limites.
Destas 25 horas, três são de Educação Visual e Tecnológica. Não é assim muito teórico. Três tempos de Estudo Acompanhado. Dois tempos de área de projecto e um de Formação Cívica.
Mais três tempos de Educação Física e dois de Música. Sobram "teoria pura e dura" dezoito tempos, o que significa em horas 13 horas e meia. Voltas a dividir por 5 e ficas com 2,7 horas (menos de 3 horas) de "Teoria" por dia. Não me parece nada violento. Têm muito tempo para actividades "Extra-curriculares", pá.

terça-feira, outubro 31, 2006 7:32:00 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Não ficam encarcerados sete ou oito horas por dia, pá. São só cinco.

terça-feira, outubro 31, 2006 7:35:00 da tarde  
Blogger JMS said...

sim, mas olha que as coisas a partir do 8º e 9º ano, segundo se, piam mais grosso (embora, ao que parece, já estiveram pior). Em todo o caso, estou convencido de que 5 horas de ensino intensivo (e não este facilitismo actual, propiciado pela extensão dos currículos e dos horários, assim comopela necessidade de produzir rankings de escolaridade mínima compatíveis com a nossa presença no seio da UE) chegariam perfeitamente para fazer de qualquer jovem um sábio de estatura média.

terça-feira, outubro 31, 2006 11:12:00 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Não sei o que é que o cadáver morto faz, mas parece-me que vive num planeta muito pessoal. Onde as contas são pura ficção.
Isso de dizer que os professores faltam dois dias por mês, dá vontade de rir. Conheço várias escolas e posso garantir que está muito longe da verdade.
Creio que os poucos (poucos, sim!) que o fazem revelam problemas de stress ou de outra ordem que nos deveria fazer pensar no que é a escola hoje (para quem gosta tanto de percentagens e de estatísticas, talvez saiba que é das profissões de maior desgaste psicológico e como, ao contrário de uma perna partida ou de uma operação, não se nota por fora, o pagode assobia e goza).
Essa treta do entretenimento, dos clubes, das aulas de substituição, das aulas de apoio, de estudo acompanhado, de área de projecto é dinheiro deitado fora enquanto se tiver medo de trabalhar para o esforço.
Estudar dá trabalho, tem partes muito chatas (como tudo na vida, não é cadáver?), mas sem isso nada feito.
Quando os alunos (e os pais e todos) perceberem que o conhecimento e o desenvolvimento de capacidades é indissociável do empenho e do esforço e forem penalizados os que vivem do e para o tédio, poder-se-á repensar tudo o que agora se tem sem que sirva para coisa alguma, a não se brincar às escolas e demonstrar muitos complexos de culpa.

Fernando Santos

quarta-feira, novembro 01, 2006 2:52:00 da manhã  
Anonymous Anónimo said...

Caro Sr. Fernando Santos, os meus respeitos.
Agradeço o tempo que dispendeu na leitura do meu singelo comentário.
Permita-me responder às suas considerações.
Quanto ao que faço podemos dizer que não faço muito mas mando fazer.
Profissionalmente vivo rodeado de professores e afins o que me permite ter uma visão actualizada da problemática.
Pessoalmente tenho familiares ligados à docência em quase todos os graus de ensino exceptuando no 1.º ciclo. Tenho muitos amigos que exercem a profissão de docente. Na sua generalidade com dedicação, empenho e profissionalismo.
Fui aluno durante dezassete anos em todos os graus de ensino, exceptuando o pré-escolar. Tenho, portanto, uma profunda visão na óptica do utilizador do sistema de ensino.
Compartilho o mundo em que vivo com vários milhares de milhões de outros seres humanos. É o planeta Terra. O terceiro quem vem do Sol.
É verdade que os professores faltarem dois dias por mês seria cómico se não fosse trágico. Mas não fui eu o inventor da estatística.
"A taxa de assiduidade dos professores e educadores portugueses, em 2004/05, foi de 90.7 por cento", afirma o Sindicato dos Professores da Região Centro (SPRC da Fenprof), baseado na leitura que faz do levantamento do Gabinete de Informaçãoo e Avaliação do Sistema Educativo (GIASE), divulgado pelo Ministério da Educação em 18 de Novembro de 2005, dia de greve de docentes.
Desculpe se os dados estão desactualizados mas são os últimos que tenho provenientes do SPRC (Fenprof).
OK, não são 10%, são 9,3%. Fica feita a correcção.
Mas na generalidade concorda comigo (ou eu concordo consigo, o que vai dar ao mesmo).
Só com uma cultura de esforço e a abolição dos "facilitismos" herdados da pedagogia de inspiração "esquerdista" que se tornou moda nos último anos é que se pode inverter um ciclo decadentista da sociedade. Que não é exclusivo português mas, outrossim, ocidental.
Esta asserção pode ser verificada cotejanto os resultados escolares obtidos por países do extremo-oriente, onde a exigência e o culto do trabalho são permanentes com os resultados dos países ocidentais. Não acho que algum dia sejamos japoneses mas podiamos fazer um esforço e tentar copiar alguma coisinha que vem daquelas partes.

quarta-feira, novembro 01, 2006 12:43:00 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Sim, no geral estamos de acordo. Gostaria apenas de recordar que os professores não faltam só ao abrigo do tal artigo que o incomoda. Faltam também por doença, por apoio à família, por morte de familiares, por licenças de maternidade e paternidade e por tantas outras razões consignadas nos diplomas legais em vigor. Pensar que abusam do tal artigo denota má fé. Ou então um entendimento dos professores como anarquistas, o que, como sabe, está mito longe da verdade.

Cumprimentos,
Fernando Santos

quarta-feira, novembro 01, 2006 1:30:00 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Mas, mas... Qual artigo?
Eu falei em artigo? Apenas me referi ao absentismo sem especificar qualquer justificação.
Mas há algum artigo especial que possa ser abusado? Vou ter que investigar isso.
Qualquer trabalhador por conta de outrem falta "por doença, por apoio à família, por morte de familiares, por licenças de maternidade e paternidade e por tantas outras razões consignadas nos diplomas legais em vigor". No entanto, as suas taxas de absentismo são bem menores, não é verdade? E isto porquê? É simples. A perversão do sistema de segurança social do funcionário público (no qual se englobam os professores, a famigerada ADSE) e o facilitismo dos médicos na emissão dos atestados em que juram pela sua honra.
A ADSE premeia efectivamente o absentismo uma vez que inexiste qualquer penalização pecuniária, ao contrário do Regime Geral da Segurança Social (a conhecida Baixa) onde existe logo a quebra dos três primeiros dias de ausência e a percepção de apenas 65% da remuneração base no período seguinte. Ora a figura da recuperação do exercício perdido permite ao funcionário público vir a receber a totalidade das remunerações. Isto significa que uma simples constipação pode servir para o funcionário ficar em casa uns dias enquanto o comum electricista vai trabalhar constipado porque se não o fizer leva uma talhada no seu ordenado.
Acresce que o Sr. Bastonário da Ordem dos Médicos disse com clareza que os atestados médicos são emitidos de acordo com as informações prestadas pelo paciente. Ora se este diz que está muito mal e não pode trabalhar o médico atesta isso mesmo. Agora pergunto eu: para que serve o atestado médico? Se é emitido com base nas declarações do interesado porque não há-de ser apenas ele a justificar-se junto da entidade patronal?
É evidente que não se deve generalizar. Há bons e maus funcionários públicos. Mas vou contar um pequeno episódio pitoresco que sucedeu comigo.
Há alguns anos atrás exerci funções dirigentes na Administração Pública. Um dos meus subordinados, após a aplicação de alguma pressão para cumprir determinados objectivos, respondeu-me impavidamente: "Não me chateiem muito porque há sempre um atestado à minha espera." E que se pode fazer? Perder um funcionário ou ter um a trabalhar a meio gás?
Tive outro que, ao abrigo de determinadas licenças e estatutos, todos com o devido enquadramento legal e regulamentário, trabalhava duas (!) horas por dia. E não havia nada a fazer. Era tudo legal. Conheci outro que se aposentou (porque o funcionário não se reforma, aposenta-se) com 43 anos de idade. Com a reforminha completa e no topo da carreira. Tudo como manda a Lei. Sem esquemas.
Os professores são apenas mais um elemento da máquina da Administração Pública. Acontece é que a maior parte das pessoas tem filhos na escola e apercebe-se destas situações que, sublinho, são comuns a toda a função pública, só que aqui são mais visíveis.
Podia contar inúmeras estórias engraçadas assim tivesse saúde e paciência. Fica para a próxima.

quinta-feira, novembro 02, 2006 10:59:00 da manhã  
Blogger JMS said...

Eu podia contar-te uma boa dúzia de histórias, também passadas comigo, envolvendo trabalhadores por conta própria. Desde a do trolha que não conhece a noção de isolamento térmico, à do carpinteiro incapaz de pregar uma tábua na vertical, passando pela do operador de escavadoras que deixa atrás de si um rasto de destruição e à do funcionário bancário que leva três meses a resolver uma situação que prometera resolver em três semanas, e por aí fora.
Isto para dizer que a incompetência nacional não é apanágio do funcionalismo público. Antes fosse, pois saberíamos qual a solução: privatizar imediatamente e em força tudo. Mas não é assim. E quem defende a privatização total com o argumento da eficiência, está a mentir e a tentar ocultar interesses inconfessáveis.

sexta-feira, novembro 03, 2006 6:33:00 da tarde  

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