terça-feira, janeiro 16, 2007

Cotação do Pobre Revista em Baixa

O jovem polícia Paulo Custódio foi ontem condenado a uma multa de 720 euros pelo homicídio do jovem ladrão de automóveis Nuno Lucas, ocorrido no Verão de 2002. Os juízes determinaram que houve negligência por parte do jovem polícia. Ficou provado que o jovem Custódio matou acidentalmente o jovem Lucas quando a sua arma disparou no momento em que assestava uma coronhada na nuca do jovem prevaricador. Devo confessar que não vejo muito bem que tipo de coronhada pode fazer com que uma bala se aloje na cabeça do coronhado, a menos que a cabeça deste tivesse uma forma pouco usual, em forma de L ou de estrela, por exemplo. Ou então, que a arma fosse de um modelo novo, um modelo no qual as balas saem pela coronha. Não sendo esse o caso, e nada na notícia nos revela qualquer anormalidade na cabeça de um ou na pistola do outro, penso que não é preciso ser grande especialista em balística para achar muito improvavél que uma coronhada (na nuca) possa gerar tais acidentes. À primeira vista dir-se-ia que em tal situação a bala tenderia a alojar-se na nuvem mais próxima, ou no corpo do polícia, ou no empedrado da rua. Mas não. Bala mágica, sem dúvida. 720 euros. Fica o aviso.

Outra notícia de ontem reforça esta ideia de que a cotação do pobre continua em baixa. A do ciclista atropelado no distrito de Beja e que só seis horas depois do incidente conseguiu chegar a um hospital lisboeta. Um vampiro ligado ao INEM, suponho que Presidente da coisa, não achou nada de anormal na situação. Segundo o homenzinho, quem deseja ser atropelado deve procurar fazê-lo na proximidade dos grandes centros urbanos, onde não faltam ambulâncias e hospitais. Quem insiste em ser atropelado no interior não pode esperar que haja "uma ambulância em cada esquina ou condomínio". Portanto, a culpa é de quem ainda não percebeu que o interior do país é para evacuar, é para ficar devoluto. Quem quer viver, em Portugal, tem 800 km de costa destinados para o efeito. Fora da linha costeira, é inútil esperar pela protecção do Estado. Já por isso é que os habitantes do interior do país estão isentos de pagar impostos. Ou não são esses?

Mas nem a costa é segura, nem a costa, para os pobres, como vimos no caso dos seis pescadores mortos há dias, a 50 metros da praia. Apesar de, nas palavras de um canalha ministerial, a Protecção Civil ter feito "tudo o que era humanamente possível", só 3 horas depois do SOS emitido dos pescadores é que houve disponibilidade para lhes enviar um helicóptero de salvamento. Salvar pobres pescadores não é, obviamente, uma prioridade para a Protecção Civil. Se o transe de afogamento junto à costa envolvesse o futebolista o Figo, algum filho de Ministro, ou o jovem Azevedo da Sonae, por exemplo, estou certo de que o "humanamente possível" daquele helicóptero ronceiro baixaria para os vinte minutos, ou assim. Mas não era ninguém importante. Apenas seis pescadores semi-analfabetos. Conclusão, se se quer aventurar junto à costa, tenha primeiro o cuidado de se tornar rico ou famoso. Obrigado.

4 Comments:

Anonymous Anónimo said...

se confiar no meu instinto (!), sugiro-lhe uma visita ao blogue de um outro Senhor (e desde os 16 anos que raramente uso letra maiuscula): http://www.tempocontado.blogspot.com. onde, por ex., publicou esta maravilha:
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Procissão

É texto de muito atrás. De vez em quando vejo-o citado anónimo. Para pôr as coisas em ordem: escrevi-o em 1982, uma manhã de Abril em que me achava indisposto com o meu povo e comigo próprio.

PROCISSÃO

Os tolinhos.
Os bufos.
Os convencidos.
Os pategos.
Os membros e as suas esposas.
Os amigos dum gajo que conhecemos há muito e que não é sério.
Os fanáticos.
Os sinceros.
Os que foram maoístas.
As bruxas.
Os inimigos do povo.
As irmãs do Salazar.
Os compadres.
Os hesitantes.
O senhor Pacheco do táxi, do aviário e da bomba da gasolina.
Os que comem peixe à sexta-feira.
Os sócios benfeitores da Associação dos Bombeiros Voluntários de Oliveira de Azeméis.
O médico dos Raios-X.
A ex-telefonista da ex-PIDE do antigo regime.
O clarim de Caçadores 9.
Os filhos do falecido Prof. Dr. Joaquim do Amaral Thorensen Perestrelo Owen Ricciotti Matoso Guedes de Crespo e Bombarral (marquês de Leça, irmão da Ordem Terceira, diplomé des Palmes du Mérite Agricole).
O maquinista do ‘Foguete’ que levou o Papa a Braga.
Os heróis do mar.
Os gloriosos combatentes antifascistas.
Os gaseados de 1914-1918 (Flandres).
A tia da D. Amália Rodrigues.
O cauteleiro de Cinfães.
Os moradores do terceiro andar do prédio nº 42 do Beco dos Capachinhos 1300 Lisboa.
Os que só gostam de cerveja.
O que comprou as calças do Gungunhana e as ofereceu depois ao Museu de Bragança, donde parece que foram roubadas na noite de 7 de Fevereiro de 1952.
A mulher do filho do vizinho do Marcelo.
As figuras prestigiosas da nossa política acompanhados (acompanhadas? era o que faltava!) das respectivas esposas.
O emigrante que construiu aquela casa.
Os visitantes do Jardim da Estrela.
Os dez mais elegantes.
Os calvos, os obesos, os deficientes motores, os invisuais, os diminuídos mentais - que é como quem diz: os carecas, os buchas, os aleijadinhos, os cegos, os tarados.
Os manetas e os gagos.
O locutor da Rádio Renascença.
O bissexual que casou com a Maria João e na intimidade lhe chama Zé Maria.
O senhor doutor que está quase a chegar, não falta nada.
Os três da panelinha.
Os três.
Os que dizem trinta e três.
A Trindade.
O senhor Pimpim.
Os que leram Marx.
O reformado que pinta aguarelas e imita muito bem o barulho da água a ferver.
O eléctrico dos Anjos.
Os senhores guardas.
As senhoras guardas.
As gentes da autoridade.
Os defensores da ordem.
A mulher que fugiu ao marido alcoólico e se foi juntar com um cego que tem uma barraca em Chelas.
Os tocadores de violoncelo.
Os fascinados pelo destino do proletariado.
Os holandeses anticolonialistas, vegetarianos, com casa no Algarve.
O ex-ministro.
A Rosa que gosta muito de crianças.
Os enfermeiros.
As calistas a domicílio.
A menina do quiosque.
O bispo de Aveiro.
Você e eu.

Posted by JRC

terça-feira, janeiro 16, 2007 2:01:00 da tarde  
Blogger JMS said...

Obrigado pela sugestão. Hei-de ir ver.

terça-feira, janeiro 16, 2007 2:37:00 da tarde  
Blogger paulo said...

Somos, os portugueses, uma sociedade errada e indigna, que não sabe ou não quer ou acha inútil cuidar dos seus mais fracos. Uma sociedade conduzida sempre pelos mesmos (os do liberalismo e do salazar), com as suas guerras coloridas e fracturantes à boca de cena, mas que se frequentam nos bastidores, e traficam nas reuniões de pais e rotários e lions. Elite enfatuada, enfática, comendo na manjedoura do estado; impante, de grandes chavões: MODERNIDADE CIDADANIA IGUALDADE SOLIDARIEDADE EDUCAÇÃO SAÚDE e a A CONA DA MÃE STREET. Elite sentada numa classe altamente medíocre, sabuja pela frente, canalha pelas costas, que bulha pelas sobras do orçamento para as largar no stand, nas Maldivas, na disneyland e mais no caralho desde que seja estrangeiro, vistoso e caro. Esses gajos pensam que ideologia é cor. Ou lugar na sala.
E o povo? O povo não se vê. É uma palavra, quando muito evoca sei lá uma coisa assim tipo etérea, conceptual, uma manif de 75 a preto e branco. Na realidade, como a terra, é pra ser pisado. Pra ser extorquido. É fazê-lo pagar. E dar-lhe vinho. Agora em horário nobre.
Mágoa de podermos ter sido melhores.

terça-feira, janeiro 16, 2007 3:03:00 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

até nas questões do referendo, até nestas há quem esgrima argumentos como quem desfia rosários, para parecer bem aos amigos. tão tementes que são aos seus donos, eles e elas.

terça-feira, janeiro 16, 2007 4:10:00 da tarde  

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