domingo, janeiro 07, 2007

Star System

Se o génio da lâmpada mágica quisesse um dia beneficiar-me com a sua aparição, a terceira coisa que eu lhe pediria, depois de uns sapatos de fivela e a cafeteira de Balzac, seria a mercê de fazer de mim um daqueles críticos de cinema que atribuem estrelinhas aos filmes que vêem; um estrelítico, portanto. Sempre me pareceu, essa, uma das profissões mais invejáveis que existe, e uma actividade para a qual me sinto profundamente dotado e vocacionado. Mas não tem sido essa, infelizmente, a opinião dos nossos directores de jornais; e depois de anos e anos acampado entre o telefone e a caixa do correio, confesso que já não tenho esperança de me ver chamado a cumprir esse sonho de uma vida inteira.Há dias, porém, levantou-se na espaçosa cúpula da minha caixa craniana uma voz fininha e aflautada, que me interpelou nos seguintes termos:
- Ouça lá, ó amigo. Por que é você não aproveita o espaço infinitamente branco do seu blogue para nele exercer a tal vocação estrelítica que tanto o obceca?
Foi como se um clarão tivesse rasgado o papel de cenário do meu entendimento. Sim, pensei, por que não? Mas logo uma sisuda objecção me ocorreu, e que não deixei de transmitir ao meu fantástico interlocutor
- Mas é que eu, vozinha - posso tratá-lo por vozinha?
- Não. Trate-me antes por Geraldo Sem Pavor.
- É que eu, Geraldo –
- Sem Pavor…,
- É que eu, Geraldo Sem Pavor, raramente vou ao cinema. Salas de espectáculos cinematográficos é coisa que visito duas ou três vezes por ano. Aliás, só saio de casa para comprar tabaco e para ver, no café mais próximo, os jogos do FCP na Liga dos Campeões … Assim, como hei-de botar estrelinhas a filmes que não vejo? Aconselhe-me, por favor, Geraldo Sem Pavor.
- Huumm, está portanto a dizer-me que não vê filmes.
- Só em vídeo, Sr. Geraldo Sem Pavor.
- Só em vídeo. Quer isso dizer que você só vê os filmes que toda a gente já viu, há meses ou anos atrás, é isso?
- É.
- Compreendo o seu dilema: para quê emitir sinaléticas de estrelas a pessoas que já fizeram, ou não, aquilo que as suas sinaléticas pretendiam sugerir que fizessem, ou não; a saber: irem ver, ou não, um dado filme? Contudo, parece-me que tenho a solução, o argumento, que poderá justificar a seus olhos (se não aos dos demais) essa tão desejada iniciativa.
- Oh, Sr. Geraldo Sem Pavor, diga-me já qual é esse argumento, e encontre neste seu criado um credor e um amigo vitalício, que a todas as partes do orbe onde se desloque (desde que coincidam com o café e a tabacaria mais próximas) levará na voz o encómio da grandeza de alma, da generosidade e da ciência de Geraldo Sem Pavor!
- Pois bem, dir-lhe-ei então. Desde que o mundo é mundo, um dos argumentos mais subtis e irrefutáveis que o ser humano concebeu para justificar as suas acções ou encorajar os seus desejos é o do Porque Sim.
- O Argumento do Porque Sim …
- Também conhecido pelo Argumento do Porque Assim o Quer a Minha Vontade e Se Não Gostas Pior Para Ti Cabrão de Merda.
- Só o conhecia na primeira formulação, Sr. Geraldo Sem Pavor, e devo reconhecer que, nesta sua segunda formulação, o Argumento me parece muito mais convincente. Diria até que o mesmo, assim formulado, ganha uma clareza e um poder de convencimento assaz formidáveis. Enfim, convenceu-me, Sr. Geraldo -
- Sem Pavor.
- Sem Pavor, estou-lhe imensamente grato. Diga-me, quanto lhe devo?
- Tudo.
- E haverá forma de abater um grão de areia ao deserto da minha dívida?
- Nada.
- Pronto, então ficamos assim.
- Ficamos.
- Boa noite.
- Adeus.
O leitor não precisa de ser diplomado em augúrios para adivinhar o contentamento em que fiquei após esta conversa com a benévola vozinha de Geraldo, e a alacridade com que de imediato me lancei ao trabalho de estrelar criticamente os filmes que vi ou revi ao longo do corrente ano.
Assim, para gáudio meu e benefício de ninguém, passei uma boa hora a alinhar num pelotão de condenados as trémulas películas de celulóide que me passaram pelos olhos recentemente, e a disparar sobre cada uma tiros de execução ou salvas de reconhecimento, conforme o excelente critério estético com que Apolo me favoreceu, dispondo-me agora a partilhar os seus resultados com os meus nove leitores.
Antes de começar, importa legendar convenientemente a simbologia utilizada. Assim:
* = Abaixo de Night Shyamalan, ou, Seis Meses de Prisão, no Mínimo, Para o Mixordeiro que Concebeu Este Veneno.
** = Abaixo de Manoel de Oliveira, ou, Como é Que se Pára a Porcaria do Vídeo? Mais Cinco Minutos Disto e Deixo de Conseguir Distinguir a Mão Direita da Esquerda.
*** = Woody Allan Standard, ou, Divertido e Estimulante, Não Achaste?
**** = Melhor que Citizen Kane, ou, Ficaste-me no Coração, Amor, e Gostava de te Ver Mais Vezes.
***** = Magnólia Standard, ou, Digam Lá Se o Cinema Não é a Maior das Artes, Carago!


VISTOS

E a tua mãe também – ?? *
Mundo Novo – T. Malick *
Minority Report – Spielberg **
Marnie – Hitchcock **
O Principio da Incerteza – M. Oliveira **
Gangs de Nova Iorque – Scorsese **
Felicidade – T. Solonds **
Riff-Raff – K. Loach **
A Decadência do Império Americano – D. Arcand **
Match Point – W. Allen ***
Cidade de Deus – F. Meirelles ***
Profissão: Repórter – Antonioni ***
American Splendor – Shari Berman & R. Pulcini ***
Human Nature – M. Gondry ***
O Filho – J. Pierre & L. Dardenne ***
The Big Fish – T. Burton ***
Demolition Man – M. Brambilla ***
Capturing the Friedmans – A. Jarecki ***
Auto da Compadecida – Guel Arraes ***
The Life Aquatic with Hector Zissou – W. Anderson ***
A lula e a baleia - ***

REVISTOS


O Fim da Aventura – N. Jordan **
Pixote – Hector Babenco ***
Crónica de um Verão – J. Rouch & E. Morin ****
As Invasões Bárbaras – D. Arcand ***
Mr. Ruggles – Leo McCarey ****
Voando sobre um Ninho de Cucos – Milos Forman ****
Stromboli – Rosselini *****
Tráfico – J. Botelho ****
Rosetta – J. & L Dardenne ****