terça-feira, abril 11, 2006

Grandes Aberturas # 22

Foi um dia de primavera que começou e acabou como todos os outros, pelo menos aparentemente, diria ela, ou melhor, era natural que o pensasse; nunca foi pessoa de muitas falas. Dizia o necessário, mas reduzido ao mínimo indispensável; ou então um necessário que depressa se cansava, se detinha a meio caminho, como se ela se desse de súbito conta de que não valia a pena prosseguir, porque isso era um esforço inútil. Ficava então quieta, sem gestos, hesitante à beira das reticências como alguém à beira de água de inverno, e nesses momentos o seu olhar perdia todo o brilho, era como se um mata-borrão o houvesse absorvido, talvez ainda seja assim, não sei, nunca mais a vi.

Maria Judite de Carvalho - Os Armários Vazios