Após longos minutos de intensa ponderação,
uma equipa constituída por três dos maiores (para não dizer únicos) especialistas mundiais em cinema português (Me, Myself and I) , concebeu a lista dos 10 melhores filmes nacionais de sempre, facultando-a agora, graciosamente e em rigoroso exclusivo, para ilustração de todos os nove leitores deste blogue. Aí vai:
1. Tráfico - João Botelho
2. Ossos - Pedro Costa
3. Tráfico - João Botelho
4. O Sangue - Pedro Costa
5. Recordações da Casa Amarela - João César Monteiro
6. Tráfico- João Botelho
7. Um Adeus Português - João Botelho
8 Tráfico - João Botelho
9. A Comédia de Deus - João César Monteiro
10 Tráfico - João Botelho
Na sua declaração de voto, o júri manifesta o seu desagrado pelo facto de a lista ter que se limitar a dez títulos, obrigando-os a deixar de fora obras tão incontornáveis como "Tráfico" de João Botelho e "Tráfico" de João Botelho.
1. Tráfico - João Botelho
2. Ossos - Pedro Costa
3. Tráfico - João Botelho
4. O Sangue - Pedro Costa
5. Recordações da Casa Amarela - João César Monteiro
6. Tráfico- João Botelho
7. Um Adeus Português - João Botelho
8 Tráfico - João Botelho
9. A Comédia de Deus - João César Monteiro
10 Tráfico - João Botelho
Na sua declaração de voto, o júri manifesta o seu desagrado pelo facto de a lista ter que se limitar a dez títulos, obrigando-os a deixar de fora obras tão incontornáveis como "Tráfico" de João Botelho e "Tráfico" de João Botelho.
22 Comments:
Gostei de «Tráfico», de João Botelho, mas não tanto. Eu colocaria aí no meio mais estes: «Aniki Bóbó» (1942) e «A Divina Comédia» (1991), de Manoel de Oliveira; «Quem Espera Por Sapatos de Defunto Morre Descalço» (1971), de João César Monteiro; «O Lugar do Morto (1984), de António Pedro Vasconcelos»; «Balada da Praia dos Cães» (1986), de José Fonseca e Costa; «Longe da Vista» (1998), de João Mário Grilo; «Tarde Demais» (2000), de José Nascimento; «Noite Escura» (2004), de João Canijo; «Alice» (2005), de Marco Martins. Entre outros.
Caro hmbf,
Uma das coisas mais importantes na vida é aprender a fazer escolhas, a separar o bom do mau e o mau do assim-assim, aprender a seleccionar de acordo com critérios pessoais, por muito injustos ou arbitrários ou dementes que esses critérios pareçam aos outros. Não se pode gostar de tudo, henrique (pela parte que me toca, já é difícil gostar de alguma coisa), é necessário definir, apurar, joeirar, prescindir do bom para ficar com óptimo, porque se os misturamos no copo, tudo nos passa a saber a bótimo, ou seja, o primeiro adultera o sabor do segundo e começamos a não saber onde começa um termina o outro; com o resultado de que tudo nos sabe ao mesmo, a nada.
J. Fonseca e Costa e J. Canijo, por exemplo, são a negação e a "refutação" do cinema de P. Costa, J. Botelho ou César Monteiro, tal como a música do quim Barreiros é a negação, já não digo do bach, mas até dos smiths.
Quanto a "Tráfico", é para mim, de longe, o melhor filme português que até hoje vi: uma farsa pungente, que nos faz rir metade do tempo, e chorar a outra metade, provocando-nos tal nó no estómago e na garganta que o único antídoto é vê-lo uma vez mais, e outra vez, a outra ainda. Um filme que ao mesmo tempo nos diverte e angustia - não deveriam ser assim todas as obras de arte? Não será o desconforto que provocam o critério certo para distinguir os filmes óptimos dos filmes bons ou assim-assim? Por mim, só gosto realmente, em arte, daquilo que me incomoda, que me causa desconforto, daquilo que não me lisonjeia. A complacência, e sobretudo a auto-complacência, representam tudo o que há de mais detestável no ser português; e o nosso cinema, tal como as nossas artes plásticas e a nossa literatura, estão quase sempre infectadas de complacência ou de fátua ignorância. É por isso que eu não gosto de quase nada (a começar por aquilo que escrevo) e prefiro alimentar-me de produtos importados, de tradições culinárias onde não existe o hábito de açucarar tudo.
Um único comentário: sem comentários.
Homem, não te zangues. Olha que a sinceridade é uma das virtudes cardeais (ou se não é, devia ser), e pelo facto de os portugueses andarem há oitocentos anos com medo de dizerem o pensam é que a hipocrisia e a má língua se converteram no seu desporto preferido.
Eu tenho a íntima convicção de que a crítica é uma coisa positiva, desde que seja bem-intencionada e mínimamente fundamentada. Vejo que não partilhas desta opinião. Tenho pena. Mas espero que, com isto, o Ad Loca não vá passar de nove para oito leitores...
Zangado, JMS? Logo eu, estou farto de dizer que há pouca coisa que me abespinhe. Olha, abespinha-me, por exemplo, essa complacência de que falas. Por isso não comento o post directamente. Prefiro escrever uns exorcismos lá no Insónia. Não percebo é porque interpretas o meu comentário assim. Limitei-me a dizer o que pensava: não me mercê comentários o teu comentário. Não te parece lógico e sincero? Será isto hipócrita? Como posso concordar eu com algumas das coisas que dizes? É-me impossível.
óptimo, óptimo.
E o filme "Vai e Vem", de João César Monteiro?
Pois é, c.. Eis outro grande, grande, filme português. Esqueci-me desse. Este post pôs-me a pensar em inúmeras coisas. A arte do jms é mesmo esta de nos desassossegar. Por exemplo: não é «Tráfico» também, em termos estéticos, “uma negação” de «Ossos»? Devo dizer que Pedro Costa é o meu realizador português preferido. No entanto, dentro de estéticas muito diversas, eu julgo que é possível e legítimo apreciarmos com um mesmo grau de intensidade o que julgamos ser melhor. Fazendo discriminações, claro, mas não recusando a qualidade de um objecto artístico só porque ele se opõe a outros que também são do nosso agrado. Por exemplo: amar um filme como «Magnólia» impede-me de considerar «Erin Brockovich» um excelente filme?
Quando digo que A exclui Z não estou a pensar em estéticas ou formalismos, nesse aspecto até sou bastante omnívoro: posso gostar de Goddard e J. Ford, de Dickens e de Rui Nunes, de sonetos e de poesia visual. A minha linha de exclusão passa menos por critérios formais do que "políticos" ou morais e, sobretudo, por algo que apenas posso definir (muito vagamente, reconheço) através do termo "autenticidade". A autenticidade existe quando existe uma espessura, quando reconhecemos num autor um mundo próprio, pessoal e coerente, do qual até podemos não gostar, mas que reconhecemos como genuíno e honesto.
Por exemplo, a diferença entre Kieslowski e Tarantino é que os filmes do primeiro traduzem uma abordagem pessoal da vida e uma mundividência à qual não podemos negar seriedade (por muito que a detestemos), enquanto que os filmes do segundo me parecem ocos, pueris e gratuitos (embora divertidos), ou seja, fica-se com a sensação de que o Tarantino podia perfeitamente dedicar-se a realizar video-clips ou a conceber jogos de computador, já que não tem nada para dizer e todo o seu saber se resume a um know-how técnico. Pode, contudo, haver quem queira dizer muita coisa, sem saber como fazê-lo de uma forma minimamente conseguida, pelo que o ter ou não muitas ideias não é garante de qualidade nenhuma. O que falta a muitos autores é uma visão original (o que não quer dizer "nova", mas apenas própria e coerente) e algo a que podemos chamar intensidade emocional e espessura filosófica. E essas falhas dificilmente passam inadvertidas.
Claro que "Tráfico" e "Ossos" não se excluem. Formalmente são muito diferentes (e ainda bem que o são), mas ambos transmitem uma inquietação e uma incomodidade fundamentais, uma necessidade de interrogar o que existe.
E é esse desassossego o que raramente se vê no cinema ou na literatura portuguesas, que em geral só nos transmitem bonomia, e banalidades mais ou menos pomposas.
Explica-me só por que, a título de exemplo, «Noite Escura» (2004), de João Canijo, não transmite uma inquietação e uma incomodidade fundamentais, uma necessidade de interrogar o que existe. Quanto à autenticidade, não há volta a dar-lhe: não existe uma autenticidade. Existem várias autenticidades. Caso contrário, seríamos todos autómatos. A tua autenticidade nunca será a minha autenticidade, assim como a minha autenticidade jamais poderá ser a tua autenticidade. Temos passados diferentes, experiências diferentes. É a isso que se chama singularidade. A autenticidade é a capacidade que cada um tem de expressar a suja singularidade. Por falar em singularidade: para ti, um filme como «Inteligência Artificial», de Spilberg, pode ser uma vacuidade. Para mim, pode ser, na base das minhas experiências, do meu conhecimento, da minha história íntima, algo profundamente tocante, marcante, inquietante. O que nos desassossega, não desassossega pelo que tem de científico. Se assim fosse, passaríamos a falar de uma matemática das emoções, da compreensão, etc. Recuso-me falar de arte nesses termos. É como diz o Stirner: «Há tanta coisa a querer ser a minha causa!»
Não posso pronunciar-me sobre Noite Escura nem Inteligência Artificial porque a experiência de filmes anteriores de ambos me fez jurar nunca mais a repetir.
Mas é claro que toda esta conversa da autenticidade é, reconheço, tremendamente subjectiva. E não há como falar de arte sem uma fortíssima componente de subjectividade. Eu, por exemplo, gosto muito pouco de Rilke, mas não me passa pela cabeça execrar quem o tenha como autor fundamental. Quer isto dizer que não posso deixar de lhe reconhecer a grandeza (ainda que na sua obra apenas me interesse os "cadernos de malte laurids"), e que se alguém me disser que não pode viver sem os poemas de Rilke, isso não me levará a pensar que essa pessoa tem um gosto adulterado ou defeituoso; apenas que essa pessoa tem, como referes, uma experiência totalmente diferente da minha e uma aproximação à realidade que não coincide com a que eu próprio privilegio. Mas se essa pessoa, depois de elogiar o Rilke, me diz que o Saramago é um escritor de primeira água, ou que o David Mourão-Ferreira é o seu poeta preferido, ou que prefere o Ginsberg ao Eliot, aí eu já passo a considerar que a pessoa fala mais a partir da ignorância do que da singularidade da sua experiência.
De qualquer modo, todos sabemos que não é possível convencer ninguém da excelência de A perante B ou C. Como é que podemos de facto provar que Pessoa é melhor que Sá CArneiro? Não podemos. Podemos apenas argumentar em torno de elementos altamente subjectivos e utilizando termos excessivamente vagos. Mas isso não signifique que aceitemos pacificamente que alguém diga que o histérico Carneiro é melhor que Pessoa. E por eu estar absolutamente convencido de que Tráfico ou Ossos são filmes extraordinários, é que não suporto que alguém os compare com coisas meramente estimáveis como Aniki-Bobó ou A Divina Comédia.
Depois, há outra coisa: uma pessoa vê os cineastas portugueses a falar, e percebe que eles só dizem coisas estúpidas ou banais. Experimenta ver uma entrevista da Teresa Villaverde, do Fonseca e Costa, do João Canijo, etc., e diz-me se dá vontade de gastar mil paus para ir ver os seus filmes... Parecem todos muito pouco inteligentes, com uma cultura própria de secretário de estado ou coisa assim, e a sensibilidade de um pente de pau. A única excepção que eu conheço é o Pedro Costa.
Em todo o caso, pode ser que um dia se invente o artómetro, instrumento de medição com o qual será possível aferir com precisão o valor estético dos objectos culturais; e nessa altura não restarão dúvidas de que "Tráfico" é 379,5 vezes mais belo, inquietante e profundo do que, por exemplo, "Sapatos Pretos".
Bem, eu acho que estás a partir de argumentos completamente falaciosos. Começando pelo fim: se não estou em erro, o realizador de «Tráfico» já foi comentador desportivo. As únicas vezes que o ouvi falar, foi sobre futebol. Só dizia parvoíces sem jeito algum. Isto não tem nada que ver com filmes. Aliás, até é muito frequente as pessoas ficarem decepcionadas quando ouvem falar um artista que admiram. Um dos problemas da arte contemporânea reside, precisamente, no valor que é atribuído a certas obras assentar mais na lábia do autor do que na obra propriamente dita. Mas isto levar-nos-ia a campos que não cabe aqui discutir. Vamos ao essencial. Estou genericamente de acordo contigo, excepto numa coisa: julgares um filme genial, não obriga à exclusão de outros que, podendo não ser tão geniais, consideras de extrema qualidade/importância. Assim como julgar Sena genial não me obriga a negar a importância de Baudelaire (autor que Sena desprezava), considerar «Ossos» um dos melhores, senão mesmo o melhor, filmes português que alguma vez vi não me impede de “gostar”, admirar, outros que, não sendo tão bons, me pareçam de extrema qualidade. Para isso, colocaríamos as coisas nestes termos: é «Tráfico» tão bom quanto «Ossos» ou um desses filmes é preferível ao outro? A pergunta não faz sentido, porque são filmes muito bons na sua singularidade. O mesmo se passando com outros. Para terminar, simplifiquemos: será Baia melhor jogador que Quaresma? Cada um, na sua devida posição, é de grande qualidade, não podendo os dois ser comparáveis. Mas passará pela cabeça de alguém pôr em causa a qualidade de ambos?
Poderíamos ficar nove meses a falar sobre este assunto, que dificilmente conseguiríamos gerar um acordo. Eu acredito que há coisas que se excluem mutuamente, tu achas que não. Que havemos de faze? Eu acho que os livros de Dostoiewski excluem o Harry Potter; e que depois de lermos Tchekov já não queremos saber de Dostoiewski para nada; que só gostamos de Régio antes de termos lido Sena, nunca depois; que não é possível gostar de Prince e ao mesmo tempo de Tuxedomoon, etc., etc.
Mas o mesmo já não é possível, ou não é desejável, quando estamos a falar realidades cuja ordem de grandeza é similar; pelo que o teu exemplo (Sena/BAudelaire) não se aplica ao meu caso. (Não creio, já agora, que seja verdade isso de o Sena desprezar o BAudelaire; eu pelo menos nunca vi na sua obra nenhum indício desse desprezo; creio mesmo que sempre o reconheceu como aquilo que é: um dos poetas mais importantes e influentes da modernidade.)
Quanto ao discurso do J. Botelho, convenhamos que é quase impossivel para um benfiquista falar inteligentemente sobre futebol... Relativamente ao facto de ele em público praticamente só falar de bolapé, reconheço que é bizarro e até inquietante. Mas os seus filmes não é de futebol que falam; enquanto que os de muitos outros só falam de futebol, mesmo que não falem de futebol.
tlInteressante troca de ideias, que tem muitos pontos discutíveis...
Mas, vai alta a madruga e só quero apôr dois filmes do Manuel de Oliveira, que me marcaram e que são verdadeiras obras-primas: "Francisca" e "Vale Abraão".Talvez porque a complexidade daquelas pewrsonagens femininas, atinjam o melhor do puro, negro e duro romanesco. 2francisca" foi um enorme êxito, à época. Gostei do "Tempos Difíceis" do João Botelho, mas do "Tráfico" pouco recordo, pois pareceu-me uma sátira, que de tão prolixa e descosida, não atingia o alvo. Mas eu vi-o em ante-estreia, aqui no Porto, já há bastante tempo.
Ainda não vi "Ossos" nem "Alice", nem sei se verei.
Quanto ao "irritantre" Fellini adorei e foi há muito tempo. Sou completamente fã do Fellini, do Ingmar Bergman, do Visconti. Nada deles é medíocre.
Vi.
JMS, tenho andado com pouco tempo. Sobre a discussão essencial, julgo que podemos ficar por aqui. Mas logo ao fim da tarde, deixo umas citações de Sena sobre Baudelaire. Até lá, saúde. P.S.: vou começar a escrever mais sobre os meus filmes no Insónia. Eu acho mesmo que é possível apreciar objectos artísticos díspares (estética, política, filosoficamente). Na música, por exemplo, nem se fala. A tua conversa, perdoa-me, lembra-me aqueles tipos eruditos a negarem a musicalidade do jazz. :) Mas isso são outras contas. Até logo.
Então, antes que me esqueça, algumas notas sobre Baudelaire (e não só) sacadas a de Sena. Num texto intitulado «Rimbaud, Revisitado», esta pertinente observação: «Mas desejaria acentuar que Rimbaud, sendo exemplar, não é um exemplo. Foi furiosamente um homem pérfido e um maravilhoso poeta, um ser que traiu na vida e na poesia todo o ilimitado. Não o estou condenando por não ter suportado a humanidade demasiado maternal de Verlaine ou por ter levado às últimas consequências as literatices sinestésicas de Baudelaire.» Esta passagem é tanto mais interessante quanto torna evidente algo que para mim é um dado adquirido: nunca reduzir a obra ao autor. Num outro texto, intiluado «Isidore Ducasse ou Lautréamont», o estilo repete-se: «Porque é nos primeiros cantos, esboço e prólogo de uma história que vemos precisar-se e desenvolver-se para o fim do livro, que está todo Lautréamont. Esse contínuo lamento, onde o desprezo e o ódio se acompanham de um trágico ressentimento, da mágoa de não ter encontrado «um homem que seja bom», um único ser que mereça o exercício de uma apaixonada bondade – a «caridade humana, para ele, não passa de uma palavra vã, que nem sequer figura no dicionário da poesia» - esse lamento aproxima-se da revolta que o «escrevinhador» Baudelaire sentia perante qualquer injustiça, perante o sofrimento de uma criança.» Não sei se serão suficientes estas passagens, para daqui deduzirmos um certo desprezo que de Sena sentia pela obra do autor de «As Flores do Mal». A verdade é que esse desprezo não coibiu o nosso poeta de considerar Baudelaire «o criador do espírito moderno em poesia» (numa nota de rodapé que aparece em «Rainer Maria Rilke, post-simbolista») por ter lanaçdo, com outros, «as bases do movimento simbolista». Mas disto tudo resulta uma comparação extraordinária que, faça-se dela a interpretação que fizer, não deixa de ser bastante curiosa: «Assim como George Eliot não foi um Tolstoi, também Antero não foi um Baudelaire, ainda que tenha para a poesia de língua portuguesa representado um papel algo semelhante, e com um nível de visão filosófica que Baudelaire não possui.» (nota de rodapé num ensaio intitulado «Sobre o Modernismo») Todas as citações foram recolhidas no volume «O Dogma da Trindade Poética (Rimbaud) e outros ensaios», Asa, Dezembro de 1994.
hmbf, eu limito-me a dizer aquilo que me parece óbvio: há coisas que têm qualidade, e há outras que não a têm; e que o apreciarmos as primeiras veda qualquer gosto pelas segundas. Se isto não é límpido e clarinho e transparente como o suor da virgem Maria, não sei que mais te diga. Não tem a ver com géneros, nem com estilos, nem com nada que reflicta a pessoalidade ou a diferença específica de um autor face a outro. Tem a ver apenas com o reconhecer ou não qualidade à obra A e admitir que o amor por A nos faz depreciar Z. Mas deixemos isto.
De facto não me lembrava dessas afirmações de Sena, tendo retido apenas o facto (bastante óbvio) de ele considerar Baudelaire um dos fundadores da poesia moderna (o outro será Whitman, creio). Em todo o caso, a sinestesia é apenas um dos efeitos da poesia do B., e pode-se apreciá-la ou não sem que isso implique desprezo pela mesma; já o termo "escrevinhador" é claramente depreciativo, e terei que ver o contexto em que ele aparece (agora não tenho tempo para tais cotejos) para verificar se isso indicia um desprezo efectivo ou apenas uma mera irritação perante qualquer aspecto parcial da obra do autor.
Em todo o caso, até Deus tem direito a dizer disparates e a errar, e os juízos de Jorge de Sena não podem furtar-se a serem filhos do seu tempo: um tempo em que se considerava, ainda, que Rimbaud era um grande poeta (!), ou que Antero era filósofo (!!), quando não passava, nesse aspecto, de um compendiador de beatices metafísicas.
Em todo o caso devo recordar-te, já agora, que num outro passo da sua obra o Sena diz que o ANtero foi o que por cá se pode arranjar de Baudelaire...
Essa do Antero ter sido o que por cá se arranjou de Baudelaire é do mesmo texto da referida nota de rodapé: «Antero de Quental, que foi o que de Baudelaire (juntamente com Gomes Leal) se pôde arranjar...».
Quanto ao resto, deixa-me rematar. Acho que percebo onde queres chegar, só não entendo que vás por aí. Volta ao teu primeiro comentário e diz-me se faz sentido o que dizes depois de me afirmares que, por exemplo, não viste «Noite Escura». A verdade é que te referiste a um autor, quando eu citava um filme desse autor, como se o facto de teres visto filmes menores do mesmo autor impedisse que um outro filme seu, que tu não viste, fosse bom. Pois eu acho «Noite Escura» um excelente filme. E quanto ao «Tráfico», inclino-me para as memórias da Vida Involuntária: «pareceu-me uma sátira, que de tão prolixa e descosida, não atingia o alvo». Por aqui me fico.
Saúde,
Henrique
P.S.: Foi boa a conversa, pá. Pelo menos contigo dá para conversar. :)
JMS é excessivamente moralista?
Tem dias de ser muito moralista, tem dias de se armar em terrorista manso, e tem dias de se estar a marimbar para tudo (que são a maior parte deles)
Quase sempre não gosto de listas. Porque são a maioria das vezes sujeitas a tempos e hierarquias de gosto de que nada restará daqui a 50 ou 100 anos. Só para "arrumação" teórica as tolero.
MAS ADORO A POESIA DO JOSÉ MIGUEL SILVA.
Vi.
Pois eu devo confessar que sou viciado em listas, embora reconheça que elas só têm utilidade (se é que a têm) para o listador. Servem para estabelecer vínculos, disjunções e circuitos, para elencar antipatias e afinidades; para estabelecer, enfim, certos organigramas mentais. E servem também para divertir quem as faz e irritar os demais; duplo prazer, este, a que nem sempre sou capaz de resistir.
Um abraço.
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