sábado, março 18, 2006

João Miguel Fernandes Jorge

JANTAR EM ALCABIDECHE


Estavam os meus amigos. E, todos, mais
ou menos bêbados. As mãos brincavam com as facas,
apertavam os copos entre os
dedos, espremiam limão sobre os peixes
grelhados. Os gestos, a alegria
do encontro tornara-os ternos e desajeitados.
Mais do que dirigindo-nos a nós próprios,
fazíamo-lo para uma presença imaginária,
a secreta corrente que cada um unia; e,
mais secretamente ainda, dois e três escondia.
Depois, não há como o álcool,
o vinho branco escolhido - que não fora
excelente - para fazer querer
ser o eu presente o verdadeiro eu;
e que, até então, sempre permanecera
escondido.
Os meus amigos falam, falam todos ao mesmo
tempo e não se entendem.
E quanto mais querem dizer mais abraços dão,
Riem e chegam mesmo a participar, felizes,
na união em cada um;
meio perdidos no seu sonho de representação
de si, não prcuram mais do que provar, e
provar aos outros, uma única coisa: cada um
é o mais fiel naquele jantar.
Eu, quase sempre, permaneci alheio e
olhava-os, como vocês, leitores,
nos estão a olhar agora.

2 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Sempre gostei deste poema. Obrigado.
João Luís Barreto Guimarães

segunda-feira, março 27, 2006 8:09:00 da tarde  
Blogger JMS said...

Este tipo de poema, tão descritivo, não é muito usual na obra de JMFJ; mas nem por isso deixa de ser um dos meus preferidos.
Contudo, numa obra tão vasta e diversificada como a de JMFJ, difícil é escolher UM poema. Apetece postar aí uns cinquenta, isso sim.

terça-feira, março 28, 2006 12:56:00 da tarde  

Enviar um comentário

<< Home