sábado, julho 15, 2006

A. M. Pires Cabral

CONFESSO QUE VOEI


1.

Mas, se nestas seis décadas e meia
eu fui capaz de algum voo

- concedo: semelhante ao das galinhas,
isto é rudimentar, desgracioso,
com muitíssimo dispêndio de energia
para pouca ascensão, breve e apenas
em desespero de causa;
em todo o caso uma forma de voo
pelo qual me sustentei no ar
em horas de menos peso -

devo agora, fechado o ciclo do voo,
como os pássaros pousar.

E isto não é como uma loja
que muda de ramo
ou que em fins de Dezembro
fecha para balanço.
Nem como executar
um mandado de detença.
Nem expiar a desordem
de, sendo pedestre, ter voado.
Nem um remate compulsivo
à sedição.

Pousar, é tudo. Regressar
ao afago das coisas da terra.
A terra cobrar por fim o que lhe devo
e eu cobrar dela o que me deve
desde a primeira hora.

Voei, está voado.
Nada de nostalgias.


In Telhados de Vidro Nº6

1 Comments:

Blogger blimunda said...

poxa, de cada vez que aqui venho leio este poema e de cada vez que o leio maravilho-me com a sabedoria destas palavras. belo, belo demais

sexta-feira, julho 21, 2006 9:36:00 da tarde  

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