o bergman afirmou não perceber como podia alguém ver os seus filmes; que tão deprimentes, comentou, que se fosse ele não os veria. ____________________
POETAS, GESTORES, CORREIOS DE DROGA
Os poetas, tal como os gestores ou os correios de droga, são almas simples, que valorizam sobretudo a amizade do dinheiro, a louça cor de amêndoa, o vício de viver. Dobradiças oleadas e perfumes de renome. Um poeta é um animal feito de palavras que perfeitamente
servem ao pedreiro, ao enxoval, ao caracol: sílabas macias, untuosas, radiantes como folhos de cortina. E por que havia de ser doutra maneira, perguntamos? Sofrimento há que chegue para todos. Não me falem em quinhentos mil casebres, pois a minha namorada, o meu patrão, a porcaria do motor,
este calor na cabeça. Ninguém se dá, é bom de ver, como culpado. Somos todos de direita, todos; pois outra coisa não se chama viver. E mesmo os que dizemos ser de esquerda temos, como toda a gente, a grande sageza de não fazer contas. Sabemos como é frágil o sossego, como é espantadiço.
É com fleuma e bom-humor que recebemos o azar dos que não cabem à mesa, o desmoronamento dos que vivem pouco, podre, mal. Entre burros, egoístas e vaidosos, é preciso ser alguém para fugir de ser feliz. Muito raro, na verdade. Oh não te finjas, leitor, surpreendido.
Não me digas que pensavas que os homeros eram feitos às rodelas, com recheio de bombom. Conta-me outra. Lê-os, se achas que te podem ser úteis, mas não faças grande fé nas virtudes que tangem. Isso é coisa que se aprende, corriqueiros exercícios de entretém.
E se vires um crítico a enrolar a língua na palavra “poeta”, não ligues. São mais sonsos do que parecem, os críticos.
Deprimentes? Nã! A arte nunca é deprimente, ou só o é quando não presta. A realidade, sim, é deprimente. Mas a sua transfiguração artística é sempre exaltante. Acho.
4 Comments:
o bergman afirmou não perceber como podia alguém ver os seus filmes; que tão deprimentes, comentou, que se fosse ele não os veria.
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POETAS, GESTORES, CORREIOS DE DROGA
Os poetas, tal como os gestores ou os correios de droga,
são almas simples, que valorizam sobretudo a amizade
do dinheiro, a louça cor de amêndoa, o vício de viver.
Dobradiças oleadas e perfumes de renome.
Um poeta é um animal feito de palavras que perfeitamente
servem ao pedreiro, ao enxoval, ao caracol: sílabas macias,
untuosas, radiantes como folhos de cortina. E por que havia
de ser doutra maneira, perguntamos? Sofrimento há que chegue
para todos. Não me falem em quinhentos mil casebres,
pois a minha namorada, o meu patrão, a porcaria do motor,
este calor na cabeça. Ninguém se dá, é bom de ver,
como culpado. Somos todos de direita, todos; pois outra coisa
não se chama viver. E mesmo os que dizemos ser de esquerda
temos, como toda a gente, a grande sageza de não fazer contas.
Sabemos como é frágil o sossego, como é espantadiço.
É com fleuma e bom-humor que recebemos o azar
dos que não cabem à mesa, o desmoronamento dos que vivem
pouco, podre, mal. Entre burros, egoístas e vaidosos,
é preciso ser alguém para fugir de ser feliz. Muito raro,
na verdade. Oh não te finjas, leitor, surpreendido.
Não me digas que pensavas que os homeros eram feitos
às rodelas, com recheio de bombom. Conta-me outra.
Lê-os, se achas que te podem ser úteis, mas não faças
grande fé nas virtudes que tangem. Isso é coisa
que se aprende, corriqueiros exercícios de entretém.
E se vires um crítico a enrolar a língua na palavra “poeta”,
não ligues. São mais sonsos do que parecem, os críticos.
JMS
posted by JMS at 2/26/2006 11:33:00 PM
Deprimentes? Nã! A arte nunca é deprimente, ou só o é quando não presta. A realidade, sim, é deprimente. Mas a sua transfiguração artística é sempre exaltante. Acho.
mesmo quando é incómoda
essencialmente, quando é incómoda. aquela de sermos todos de direita, depois de barrada com mel consigo comê-la.
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