Os poetas, tal como os gestores ou os correios de droga,
são almas simples, que valorizam sobretudo a amizade
do dinheiro, a louça cor de amêndoa, o vício de viver.
Dobradiças oleadas e perfumes de renome.
Um poeta é um animal feito de palavras que perfeitamente
servem ao pedreiro, ao enxoval, ao caracol: sílabas macias,
untuosas, radiantes como folhos de cortina. E por que havia
de ser doutra maneira, perguntamos? Sofrimento há que chegue
para todos. Não me falem em quinhentos mil casebres,
pois a minha namorada, o meu patrão, a porcaria do motor,
este calor na cabeça. Ninguém se dá, é bom de ver,
como culpado. Somos todos de direita, todos; pois outra coisa
não se chama viver. E mesmo os que dizemos ser de esquerda
temos, como toda a gente, a grande sageza de não fazer contas.
Sabemos como é frágil o sossego, como é espantadiço.
É com fleuma e bom-humor que recebemos o azar
dos que não cabem à mesa, o desmoronamento dos que vivem
pouco, podre, mal. Entre burros, egoístas e vaidosos,
é preciso ser alguém para fugir de ser feliz. Muito raro,
na verdade. Oh não te finjas, leitor, surpreendido.
Não me digas que pensavas que os homeros eram feitos
às rodelas, com recheio de bombom. Conta-me outra.
Lê-os, se achas que te podem ser úteis, mas não faças
grande fé nas virtudes que tangem. Isso é coisa
que se aprende, corriqueiros exercícios de entretém.
E se vires um crítico a enrolar a língua na palavra “poeta”,
não ligues. São mais sonsos do que parecem, os críticos.
JMS