sexta-feira, abril 28, 2006

Carlos Bessa

desenhos




Aos poucos tornei-me indiferente,
já não tenho paciência para
levantar a voz. Os prédios altos
passaram de moda. Acontecerá
o mesmo com a continência e
com a anedota? Quando cheguei
à escola era a guerra, o
cimento, o petróleo. Agora,
é a comunicação, o chewing
gum. Felizmente os garrafões são já
de plástico. Tudo isto seria homenagem,
não fora o cúmulo de pó,
no armário, em cada canto, no
mais pequeno e escondido quarto
do fundo, no sofá de ver tv.
O silêncio e o incómodo
Passaram. Lembrá-lo é dizer de
um gramático que entrava na
conversa à bofetada, do excesso
de escoriações e pesadelos
que fez da infância uma quase
surdez. E quando se olha para trás
regressa o império do pormenor
em ritmo de atmosfera pop.
Como se pode, pálido coração,
tanto silêncio? Como suportar
o sonho do que já foi, como não
aborrecer ninguém com o feltro
dessas doze cores industriais?

Hendrick Avercamp

Tony Harrison

Long Distance


II

Though my mother was already two years dead
Dad kept her slippers warming by the gas,
put hot water bottles her side of the bed
and still went to renew her transport pass.

You couldn't just drop in. You had to phone.
He'd put you off an hour to give him time
to clear away her things and look alone
as though his still raw love were such a crime.

He couldn't risk my blight of disbelief
though sure that very soon he'd hear her key
scrape in the rusted lock and end his grief.
He knew she'd just popped ou to get the tea.

I believe life ends with dead, and that is all.
You haven't both gone shopping; just the same,
in my new black leather phone book there's you name
and the disconnected number I still call.

Grandes Aberturas # 23

Sendo o termo da vida limitado, não tem limite a nossa vaidade; porque dura mais do que nós mesmos, e se introduz nos aparatos últimos da morte. Que maior prova, do que a fábrica de um elevado mausoléu? No silêncio de uma urna depositam os homens as suas memórias, para com a fé dos mármores fazerem seus nomes imortais: querem que a sumptuosidade do túmulo sirva de inspirar veneração, como se fossem relíquias as suas cinzas, e que corra por conta dos jaspes a continuação do respeito. Que frívolo cuidado! Esse triste resto daquilo que foi homem, já parece um ídolo colocado num breve, mas soberbo domicílio, que a vaidade edificou para habitação de uma cinza fria, e desta declara a inscrição o nome, e a grandeza. A vaidade até se estende a enriquecer de adornos o mesmo pobre horror da sepultura.

Matias Aires - Reflexões sobre a Vaidade dos Homens

Poesia Persa

They ask me why I run away
From all that courtiers do and say;
Because I'm clever, I retort -
And only idiots live at court.

(Mohammad Abdah)

*

Why tease me? In the twinkling of an eye
Your beauty and my love will both be gone;
Don't set your price too high,
You'll see it plummet - and before too long.

(Rafi Marvazi)

*

Every disaster heaven sends
- Even the ones not made for me -
As soon as they arrive on earth
Ask, "Where's the house of Anvari?"

(Anvari)

*

The nights I spend with you, love will not let me sleep.
The nights I spend alone, I lie awake and weep;
With you or without you God knows I stay awake-
But look what different forms a sleepless night can take!

(Rumi)


Tradução de Dick Davies

Alfred Sisley

Carlos Poças Falcão

ROGO ESCUTADO A UM CORAÇÃO


Não faças de mim um despreocupado
os meus irmãos trabalham nas produções ruidosas
mas eu tenho de ir aos mortos e aos esquecimentos
a mostrar a árvore o ramo e o raminho
onde despontou primeiro a primavera.

No silêncio e na esperança repousa a minha vida
que eu não seja um distraído mesmo que a festa ao longe
me chame toda a noite. Como louvarei
o sono e o despertar, os primeiros cantos e as últimas estrelas?
Tenho tanto que fazer - contemplar a árvore o ramo e o raminho
onde despontou primeiro a primavera
governar velhas nações desavindas no meu peito
deixar comida limpa aos animais da rua.

Não me deixes ser um despreocupado
os meus irmãos saíram para trabalhar em terra estranha
sou que tenho agora de amar os horizontes
fazer visitaçoes, traçar as Tuas marcas que salvam nas soleiras.

Não há hora de descanso para as minhas vigilâncias
deito-me e levanto-me nos turnos do temor.
Quem há-de pôr grinaldas nos círculos do fogo?
Quem há-de levar água à boca dos sedentos?
Não permitas que eu seja um despreocupado
correspondo a rostos pobres, entrego-me aos olhares
e só assim distingo, espelho e anuncio.
Grandes coisas se preparam mas os meus irmãos não vêem.
Agora tenho de ir a guardar as orações
a recordar a árvore o ramo e o raminho
onde despontou primeiro a primavera.

Rui Pires Cabral

Nós vivemos na cidade quase sempre perdidos
nas nossas pequenas razões. Estas ruas
ainda prometem mais do que podem cumprir?
A breve epifania do amor ou simplesmente
um cúmplice que nos diga, à mesa de um café,
que não faz mal, que pouco importam
as perdas e danos que sofremos.

De qualquer modo o mundo continua.

Entre o medo e a esperança
procuramos a nossa incerta morada
e enquanto isso envelhecemos mais um dia,
colhidos pelo tempo em plena queda. Nas praças,
nos quintais, a noite aparece depois do jantar
cheia de boas promessas, mas já vem condenada
ao tropel dos crentes, ao cego movimentos da manhã.

domingo, abril 23, 2006

William Klein
























4 heads, Thanksgiving Day, New York, 1955

ATENÇÃO

quinta-feira, abril 20, 2006

Otto Dix

















Kriegskrueppel, 1920

Werner Held

















Meeting (Parade of the Zeros), 1935

Gabriel Ferrater

DEL REVÉS



Lo diré del revés. Diré la lluvia
frenética de agosto, los pies de un chico
curvados al final del trampolín,
el salto agudo de lebrel que exhalan
las lilas en abril. la paciencia
de la araña que va escribiendo su hambre,
el cuerpo - dos cabezas, quatro piernas -
en un solar gris del ocaso, el pez
deslizante como arco de violín,
el azul y oro de las niñas en bici,
la sed dramática del perro, el corte
de los faros de camión en la alborada
pútrida del mercado, los brazos suaves.
Diré lo que me huye. Nada diré de mí.


(Traducción de P. Gimferrer, J. A. Goytisolo e J. M. Valverde)

MANUEL DE FREITAS

5 412971 117161


Tem cara de perder. Esta semana
voltou a não levar preservativos
e nunca mais comprou comida para o cão.
Se calhar divorciaram-se, e ficou ela
com o bicho. Só não percebo como é que
ele sozinho consegue beber tanto leite.
Perdeu também um pouco da arrogância
com que habitualmente me passava
o visa. Mas devia ser bonito, em novo.



*


5 601066 400640


A mulher ainda não meteu na cabeça
que não me pagam para psicanalista.
Eu sei que a velhice é lixada e que
a reforma dela consegue ser ainda mais
miserável do que o ordenado que me obriga
a mudar de sorriso várias vezes ao dia.

É o habitual do costume: bolachas, dois
ou três iogurtes, fruta - enquanto atropela
com lamúrias e reumatismos e pede outra vez
mais sacos (ela que até na produção de lixo
é pobre). Gostava de lhe poder dizer um dia
como detesto que me chame "menina"
com tão poucos dentes e catarro à farta.



*

8 410500 001100


Estou a ver o estilo: a folha de canabis
ao peito, os óculos de Foucault
não-li e uma devoção macrobiótica
tão estúpida quanto inquebrantável.
Esta gente custa - e o que é pior:
cheira mal. Assoa-se à manga
da camisola, cheio de ideologia
nos sovacos. E vem fazer compras
como se estivesse outra vez no Lux,
entre amigos abstémios que só
não legalizam a vida porque
ainda há limites para o mau gosto.



De Isilda ou a Nudez do Código de Barras

segunda-feira, abril 17, 2006

Erich Fried

O QUE ACONTECE

Aconteceu
e acontece agora como dantes
e continuará sempre a acontecer
se não acontecer nada contra isso

Os inocentes não sabem
de nada
porque são demasiado inocentes
e os culpados não sabem
de nada
porque são demasiado culpados

Os pobres não dão por isso
porque são demasiado pobres
e os ricos não dão por isso
porque são demasiado ricos

Os estúpidos encolhem os ombros
porque são demasiados estúpidos
e os espertos encolhem os ombros
porque são demasiado espertos

Aos jovens isso não preocupa
porque são demasiado jovens
e aos velhos isso não preocupa
porque são demasiado velhos

Eis por que não acontece nada contra isso
e eis por que razão aconteceu
e acontece agora como dantes
e continuará sempre a acontecer

(Tradução de Yvette Centeno)

Jürgen Theobaldy

BOLO DE QUEIJO E NATAS



Depois ela empurrou
o prato para o lado
voltou-se para mim e disse
que sempre quis
fazer qualquer coisa de grande
de extraordinário
de dar à sua vida
qualquer valor
mas agora é que via
como tudo se lhe escapava
em conversas banais
em tardes de rotina
com pessoas que apenas
procuravam matar o tempo
e eu sentado a ouvi-la
pois já há um bocado
tinha que ir à retrete
por causa deste bolo de queijo e natas
e não me atrevia
a interrompê-la
porque estava a gostar
do que ela dizia
e de como o dizia
até que ela me perguntou
como eram as coisas comigo
porque afinal eu escrevia poemas
e eu disse pois é
eu escrevo poemas
desculpei-me
e fui finalmente à retrete
meditar sobre
a minha vida e o seu valor

(Tradução de João Barrento)

quinta-feira, abril 13, 2006

100 ANOS DE SAMUEL BECKETT

CLOV - (avec angoisse, se grattant) - J'ai une puce!
HAMM - Une puce! Il y a encore des puces?
CLOV (se grattant) - A moins que ce ne soit un morpion.
HAMM (très inquiet) - Mais a partir de là l'humanité pourrait se reconstituer! Attrape-la, pour l'amour du ciel!

****

HAMM - J'ai connu un fou qui croyait que la fin du monde était arrivée. Il faisait de la peinture. Je l'aimais bien. J'allais le voir, à l'asile. Je le prenais par la main et le traînais devant la fenêtre. Mais regarde! Là! Tout ce blé qui lève. Et lá! Regarde! Les voiles des sardiniers! Toute cette beauté! (Un temps.) Il m'arrachait sa main et retournai dans son coin. Epouvanté. Il n'avait vu que des cendres.

Fin de Partie

****

Sim. De todos os risos que estritamente falando não são risos, mas modos de ulular, apenas três, acho, requerem a nossa atenção, a saber, o amargo, o oco e o desconsolado. Correspondem a sucessivas, como dizer, sucessivas ... suce ... sucessivas escoriações do entendimento, e a passagem é a passagem do menor para o maior, do inferior para o superior, do exterior para o interior, do grosseiro para o fino, da matéria para a forma. O riso que agora é desconsolado já foi oco, o riso que já foi oco, já fora amargo. E o riso que já foi amargo? Colírio, Mr Watt, colírio.

Watt (Tradução de Manuel Resende)


terça-feira, abril 11, 2006

LUZ FRIA # 3

Si de todas las artes la poesia
es la que más exige sin dar nada,
por qué fuimos a caer en la poesia?

José Maria Fonollosa - Poetas en la Noche

Grandes Aberturas # 22

Foi um dia de primavera que começou e acabou como todos os outros, pelo menos aparentemente, diria ela, ou melhor, era natural que o pensasse; nunca foi pessoa de muitas falas. Dizia o necessário, mas reduzido ao mínimo indispensável; ou então um necessário que depressa se cansava, se detinha a meio caminho, como se ela se desse de súbito conta de que não valia a pena prosseguir, porque isso era um esforço inútil. Ficava então quieta, sem gestos, hesitante à beira das reticências como alguém à beira de água de inverno, e nesses momentos o seu olhar perdia todo o brilho, era como se um mata-borrão o houvesse absorvido, talvez ainda seja assim, não sei, nunca mais a vi.

Maria Judite de Carvalho - Os Armários Vazios

Grandes Aberturas # 21

A tolice não é o meu forte. Vi muitos indivíduos; visitei várias nações; tomei parte em cometimentos vários de que não gostei; quase todos os dias comi; e de mulheres também tenho que contar. Revejo agora umas centenas de caras, dois ou três espectáculos, e talvez a substância de vinte livros. Não retive o melhor nem o pior destas coisas: ficou como pôde.

Paul Valéry - O Senhor Teste (Tradução de Aníbal Fernandes)

Grandes Aberturas # 20

Lolita, luz da minha vida, fogo da minha virilidade. Meu pecado, minha alma. Lo-li-ta: a ponta da língua faz uma viagem de três passos pelo céu da boca abaixo e, no terceiro, bate nos dentes. Lo-li-ta.

Vladimir Nabokov - Lolita (Tradução de Fernanda Pinto Rodrigues)

segunda-feira, abril 10, 2006

Roger Fenton




















Cottages at Balaklava, 1855